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domingo, 23 de outubro de 2011

O pobre e o rico III

O inferno, consequência do pecado
Lucas nos fala dos “tormentos do inferno”. Sabemos pela Revelação o quanto são eles terríveis. Acima de todos os sofrimentos está a pena de dano: o fato de ter sido criado para participar da felicidade do próprio Deus e ver-se por Ele rejeitado, é o maior dos tormentos. Daí surgem duas reacções no condenado: a primeira consiste em querer destruir a Deus para pôr fim às suas angústias; a segunda, em desejar sua própria aniquilação. Ora, como ambas são irrealizáveis, a consequência é o desespero eterno.
A esse incomensurável sofrimento se acrescenta o dos sentidos. A Revelação não deixa margem a dúvidas sobre a realidade do fogo do inferno e de sua natureza corpórea. Queimando os corpos sem consumi-los, quem o sustenta sempre aceso é o próprio Deus. Os cinco sentidos são atormentados de maneira especial em relação aos pecados correspondentes.
Na sua santidade de modelo sacerdotal, São João Maria Batista Vianney tece algumas piedosas considerações muito úteis para se compreender o porquê foi o rico parar no inferno: “Meus filhos, se vísseis um homem fazer uma grande fogueira, empilhar pedaços de lenha uns sobre os outros e, perguntando-lhe o que estava fazendo, ele vos respondesse: ‘Estou preparando o fogo que me deverá queimar’, que pensaríeis? E se vísseis esse mesmo homem aproximar-se da fogueira já acesa e atirar-se nela... que diríeis? Cometendo o pecado, é assim que fazemos. Não é Deus que nos lança no inferno, somos nós que nele nos lançamos pelos nossos pecados. O condenado dirá: ‘Perdi a Deus, minha alma e o Céu; foi por minha culpa, por minha máxima culpa!’... Elevar-se-á do braseiro para tornar a cair nele... Sentirá sempre a necessidade de se elevar, porque era criado para Deus, o maior, o mais alto de todos os seres, o Altíssimo... como uma ave num aposento voa até o teto que detém os condenados.
“Adiamos a nossa conversão para a hora da morte; mas quem nos assegura que teremos o tempo e a força nesse momento terrível, receado por todos os Santos, quando o inferno se congrega para desferir-nos o último assalto, vendo que é o instante decisivo?
“Muitos há que perdem a fé, e só crêem no inferno, nele entrando. “Não, sem dúvida, se os pecadores pensassem na eternidade, nesse terrível ‘sempre!’ ... haveriam de se converter imediatamente...”.
Quantas e quantas vezes o rico não deve ter sentido, dentro de si, a voz da consciência recriminando-lhe o apego desregrado pelas roupas, pelos prazeres excessivos da mesa e, sobretudo, pelo dinheiro! Lázaro à sua porta era um dom de Deus, estimulando-o à prática da caridade e, ao mesmo tempo, à compreensão do vazio das criaturas. Mas ele preferiu os bens deste mundo a ponto de dar as costas a Deus. Daí entender-se melhor os versículos 22 a 26:
Morreu também o rico, e foi sepultado. Quando estava nos tormentos do inferno, levantando os olhos, viu ao longe Abraão e Lázaro no seu seio. Então exclamou: Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo para refrescar a minha língua, pois sou atormentado nestas chamas”. Abraão disse-lhe: “Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro, ao contrário, recebeu males; agora é ele aqui consolado e tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo; de maneira que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os daí podem passar para nós”.
Torna-se patente o empenho do Divino Mestre, tão bem transcrito por Lucas, em alertar os cristãos de todos os tempos para os castigos eternos, como consequência de uma vida transcorrida no pecado, e, em extremo oposto, a alegria com que será premiada a virtude após a morte.
Por isso, o Magistério da Igreja sempre fez eco à voz de Jesus, como, por exemplo, nestas palavras de João Paulo II: “Até mesmo no campo do pensamento e da vida eclesial, algumas tendências favorecem inevitavelmente o declínio do senso do pecado. Alguns, por exemplo, tendem a substituir posições exageradas do passado, por outros exageros; assim, da atitude de ver o pecado em toda parte, passa-se a não o vislumbrar em parte alguma; da demasiada acentuação do temor das penas eternas, à pregação dum amor de Deus que excluiria toda e qualquer pena merecida pelo pecado; da severidade no esforço para corrigir as consciências errôneas, a um pretenso respeito pela consciência, até suprimir o dever de dizer a verdade. (...) “Diante do problema do embate de uma vontade rebelde com Deus infinitamente justo, não se pode deixar de nutrir sentimentos de salutar ‘temor e tremor’, como sugere São Paulo” .
Assim sendo, a Parábola de hoje tem grande importância para os dias atuais e por isso vale a pena conhecê-la em toda sua substância e profundidade.

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