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terça-feira, 24 de abril de 2012

Evangelho 4º Domingo da Páscoa ano B - Jo 10,11-18

“O SENHOR É MEU PASTOR”
A propósito da cura do cego de nascença, e da polêmica provocada por ela entre os fariseus, Jesus se revelou como o Bom Pastor, que arrisca a vida por suas ovelhas. Foi esta uma das ocasiões nas quais Ele exprimiu de modo mais tocante seu amor infinito por nós.
Deus, na sua inesgotável sabedoria, dispôs em perpétua ordem e harmonia todos os seres, fazendo muitas vezes os inferiores símbolos dos superiores. Assim, no sexto dia de sua obra, criou entre os animais a espécie ovina, com o intuito de, no futuro, o cordeiro servir de título ao Redentor, o Cordeiro de Deus. Conferiu características próprias aos rebanhos de ovelhas, assim como ao relacionamento entre estas e seus pastores, para facilitar a compreensão do amor entre o Fundador da Igreja e seus fiéis.
Na civilização de hoje, demasiadamente industrial e planificada, causa agradável surpresa encontrar pelos campos rebanhos que nos recordam aquela sociedade pastoril dos primeiros séculos da História. Alheios às transformações técnicas e sociais, esses animais continuam a se comportar como outrora. Impressiona observar sua sensibilidade à voz ou assobio de seu guia.
Certa ocasião, estando em um ambiente campestre nas cercanias do Palácio do Escorial, não muito distante de Madri (Espanha), assisti a um “sermão” dirigido por um pastor a seu rebanho. As ovelhas ouviam com atenção exemplar as admoestações sobre os cuidados que deveriam ter durante a permanência naquele local. Terminada a “pregação”, ele as dispersou com um simples bater de palmas. Bem mais tarde, convocou-as todas pela voz — chegando a chamar algumas pelo nome próprio — e as fez retomar a estrada, rumo ao seu redil. O fato me emocionou e me fez lembrar o Evangelho que devemos aqui analisar: “As ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz” (Jo 10, 4).
Pedagogia divina
Entre os vários instintos do homem, o mais forte e importante é o de sociabilidade. Aristóteles afirmava que, por natureza, o ser humano é um animal político, ou seja, sociável. A apetência (e a necessidade) dos homens de se relacionarem uns com os outros leva-os a se unirem, dando sequência ao plano divino da Criação, pois Deus nos deu esse instinto precisamente para estimular a constituição da vida em sociedade. Mas não foi esta a única razão; antes de tudo, tinha Ele em vista seu próprio desejo de entrar em contato com as almas.
Conforme explica o Catecismo da Igreja Católica, Deus “quer comunicar sua própria vida divina aos homens, criados livremente por Ele, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adotivos. Ao revelar-se, Deus quer tornar os homens capazes de responder-Lhe, de conhecê-Lo e de amá-Lo bem além do que seriam capazes por si mesmos” (nº 52). Para levar adiante o “projeto divino da Revelação”, a “pedagogia divina” consistiu, desde os primórdios da humanidade, em preparar o homem por etapas para esse relacionamento com Ele, cujo ápice ocorreria na encarnação, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. idem, nº 53).
Dessa pedagogia fazia parte essencial a linguagem simbólica. Quiçá não tenha Deus escolhido melhor signo para exprimir os vínculos a serem estabelecidos entre Jesus e nós do que a figura do pastor com seu rebanho.
Já nos primórdios do Antigo Testamento, há uma insistência na figura do pastor (cf. Gn 4, 4 e 20), na pessoa de Abraão (Gn 12, 16), de Lot (Gn 13, 5) e do próprio Rei Davi (1 Sam 17, 34-35). Aos poucos, a condução do rebanho vai se tornando símbolo dos guias do povo de Deus, a ponto de a Escritura referir-se a eles com estas palavras: “Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com inteligência e sabedoria”(Jr 3, 15). Ou como neste trecho: “Filho do homem, profetiza contra os pastores de Israel; dize-lhes, a esses pastores, este oráculo: eis o que diz o Senhor Javé: ai dos pastores de Israel que só cuidam do seu próprio pasto. Não é seu rebanho que devem pastorear os pastores? Vós bebeis o leite, vestis-vos de lã, matais as reses mais gordas e sacrificais, tudo isso sem nutrir o rebanho. Vós não fortaleceis as ovelhas fracas; a doente, não a tratais; a ferida, não a curais; a transviada, não a reconduzis; a perdida, não a procurais; a todas tratais com violência e dureza. Assim, por falta de pastor, dispersaram-se minhas ovelhas, e em sua dispersão foram expostas a tornarem-se presa de todas as feras. Minhas ovelhas vagueiam em toda parte sobre a montanha e sobre as colinas, elas se acham espalhadas sobre toda a superfície da terra, sem que ninguém cuide delas ou se ponha a procurá-las” (Ez 34, 2-6).
Porém, a figura do Pastor toma a plenitude de seu significado no Ser por excelência, o próprio Deus: “Eis o que diz o Senhor Javé: vou castigar esses pastores, vou reclamar deles as minhas ovelhas, vou tirar deles a guarda do rebanho, de modo que não mais possam fartar-se a si mesmos; arrancarei minhas ovelhas da sua goela, de modo que não mais poderão devorá-las. Pois eis o que diz o Senhor Javé: vou tomar Eu próprio o cuidado com minhas ovelhas, velarei sobre elas. Como o pastor se inquieta por causa de seu rebanho, quando se acha no meio de suas ovelhas tresmalhadas, assim me inquietarei por causa do meu; Eu o reconduzirei de todos os lugares por onde tinha sido disperso num dia de nuvens e de trevas. Eu as recolherei dentre os povos e as reunirei de diversos países, para reconduzi-las ao seu próprio solo e fazê-las pastar nos montes de Israel, nos vales e nos lugares habitados da região. Eu as apascentarei em boas pastagens, elas serão levadas a gordos campos sobre as montanhas de Israel; elas repousarão sobre as verdes relvas, terão sobre os montes de Israel abundantes pastagens. Sou Eu que apascentarei minhas ovelhas, sou Eu que as farei repousar — oráculo do Senhor Javé. A ovelha perdida, Eu a procurarei; a desgarrada, Eu a reconduzirei; a ferida, Eu a curarei; a doente, Eu a restabelecerei, e velarei sobre a que estiver gorda e vigorosa. Apascentá-las-ei todas com justiça. (...) E vós, minhas ovelhas, vós sois homens, o rebanho que apascento. E Eu, Eu sou o vosso Deus — oráculo do Senhor Javé”(Ez 34, 10-16; 31).
Continua no próximo post

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