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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Evangelho Solenidade de São João Batista (Lc 1, 57-66.80)

Continuação do post anterior


O papel do Precursor: restituir a honra
Porém, era preciso haver uma radical mudança de mentalidade da parte daqueles que iriam receber dons de tal qualidade e em tanta quantidade. Sobretudo, era conditio sine qua non ter uma alma penetrada de honra. Essa foi precisamente a missão do Precursor, a de tornar honrado o povo, para bem receber o Redentor.
Dolorosamente, entretanto, o Evangelista, logo no início de sua narração, refere-se à má acolhida oferecida ao Salvador com estas pungentes palavras: “Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam” (Jo 1, 11). E por quê? Por rejeitarem, no fundo de suas almas, esse convite a tão alta perfeição, a do próprio Pai. Aqui se entende melhor a silhueta desse quase anacoreta do deserto, João Batista, o Precursor.
Ele surge como “figura única na História, aureolada de um prestígio sobrehumano que se ergue misteriosa e solenemente no encontro dos dois Testamentos” (2), pois foi essa a opinião sobre ele enunciada pelo próprio Redentor: “Em verdade vos digo: entre os nascidos de mulher não apareceu ninguém maior do que João Batista. (...) Porque todos os Profetas e a Lei anunciaram isto até João. E quer acrediteis ou não, ele é o Elias que estava para vir” (Mt 11, 11-14). Nesse mesmo sentido opina São Tomás de Aquino, afirmando que São João Batista foi o fecho da Antiga Lei e a abertura da Nova, isto é, a era do Evangelho (3).
Profecias sobre o Precursor
A própria Liturgia de hoje é envolta em mistério ao narrar o procedimento utilizado para a escolha de seu nome, como mais adiante veremos. Essa atmosfera que o cercava manifestou-se nos primeiros anúncios de seu futuro aparecimento. Lá pelo ano de 450 a.C., estas foram as palavras proféticas de Malaquias: “Eis que vou enviar o meu mensageiro, a fim de que ele prepare o caminho à minha frente” (Ml 3, 1). Já muito antes (por volta de 539 a.C., quando Ciro, rei da Pérsia, derrotou o rei da Babilônia, Nabônides, e publicou em seguida um edito libertando os judeus), o Dêutero-Isaías anunciava a missão do Precursor: “Uma voz clama: Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplanai na estepe uma estrada para o nosso Deus. Todo vale seja levantado, e todas as colinas e montanhas sejam abaixadas, todos os cumes sejam aplanados, e todos os terrenos escarpados sejam nivelados” (Is 40, 3-4).
É grandioso e belo o anúncio mais imediato de sua concepção e missão. Zacarias, sacerdote no Templo de Jerusalém, cumpria seu turno apesar de estar em avançada idade, sem ter tido descendentes e, ademais, sem possibilidade de os vir a gerar. Chegara o momento de ele oferecer o incenso ao Senhor, enquanto o povo o aguardava do lado de fora. O mesmo Arcanjo São Gabriel que seis meses mais tarde estaria diante da Santíssima Virgem para anunciar a Encarnação do Verbo, lhe apareceu enchendo-o de temor, mas tranquilizando-o em seguida com estas promessas: “Não temas, Zacarias: a tua súplica foi atendida. Isabel, tua esposa, vai dar-te um filho e tu vais chamarlhe João. Será motivo de regozijo e de júbilo, e muitos se alegrarão com o seu nascimento. Pois ele será grande diante do Senhor e não beberá vinho nem bebida alcoólica; será cheio do Espírito Santo já desde o ventre de sua mãe e reconduzirá muitos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. Irá à frente, diante do Senhor, com o espírito e o poder de Elias, para fazer voltar os corações dos pais a seus filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, a fim de proporcionar ao Senhor um povo com boas disposições” (Lc 1, 13-17).
Varão com o “espírito e o poder de Elias”
Assim, João apareceria como o filho da oração proferida por um sacerdote no Templo de Jerusalém, penetrado de enorme alegria por saber que terá em sua descendência um homem de grandeza na presença do Altíssimo; a esse futuro varão seriam concedidos “o espírito e o poder de Elias”. Entretanto, não fará uso desses dons como o fez seu antecessor contra os sacerdotes de Baal ou face aos capitães e soldados de Acab. Por isso frustrará as febricitantes expectativas do povo judeu com relação a um Messias portentoso, nimbado de toda espécie de glória política e social. Ele pregará a mudança de mentalidade (metanóia) na linha de uma profunda e autêntica harmonia, seja no âmbito familiar, seja abrangendo dos rebeldes aos justos, e assim procurará criar as condições necessárias para a vinda do Messias. Para tal, tornava-se necessária a sua própria purificação, inclusive da mancha do pecado original. Essa foi uma das principais razões pelas quais a Virgem Maria empreendeu penosa viagem com o intuito de auxiliar sua prima. Ao entrar na casa de Isabel, esta “ ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1, 41) e fez a bela confissão: “logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio” (Lc 1, 44).
Seu nascimento foi também incomum, pois àquela idade era impossível Isabel vir a conceber, a ponto de Zacarias ter sido insuficiente em sua fé, ao ouvir as claras palavras de São Gabriel: “Como hei de verificar isso, se estou velho e a minha esposa é de idade avançada?” (Lc 1, 18). Essa reação bem comprova a grandeza do milagre que seis meses após foi confirmado pelo próprio Arcanjo: “Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam de estéril, porque nada é impossível a Deus” (Lc 1, 36-37). Se as circunstâncias humanas que cercaram sua vinda a este mundo foram singulares, mais ainda intensas se tornaram as sobrenaturais, a ponto de um santo temor penetrar o interior dos que tomavam conhecimento dos fatos. A memória de todos foi marcada de maneira indelével, levando-os a se perguntar inúmeras vezes: “Quem vai ser este menino?” (Lc 1, 66). O próprio pai, assumido pelo Espírito Santo, responderia em seu cântico: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás à sua frente a preparar os seus caminhos, para dar a conhecer ao seu povo a salvação pela remissão dos pecados” (Lc 1, 76-77).


Continua no próximo post

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