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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Comentários ao Evangelho XXXII Domingo do Tempo Comum Ano B Mc 12, 38-44

Continuação dos comentários ao Evangelho  Mc 12, 38-44

Os dois polos
Também nós devemos ser generosos para com Deus, tanto quanto Ele é generoso para conosco. Temos de entregar-Lhe tudo! Entretanto, isto não pode ser interpretado como uma obrigação de nos desfazermos de tudo quanto nos pertence e passarmos a viver de esmolas. Algumas poucas pessoas recebem essa sublime vocação. Trata-se, isto sim, de compreender que todos os nossos bens — e inclusive nós mesmos — são propriedade de Deus.
A Liturgia de hoje nos apresenta uma opção entre dois polos: o da generosidade total ou o do egoísmo total. Ou escolhemos um e odiamos o outro, ou vice-versa. Ou somos de Deus inteiramente, ou somos inteiramente de nós mesmos. No meio termo ninguém fica.
Se temos uma vocação de vida consagrada, precisamos estar a cada momento dispostos a dar tudo, não apenas por causa de um compromisso assumido numa cerimônia, mas pela convicção de que nossa vida está confiscada por Deus.
No entanto, como aplicar esse princípio à vida de quem é chamado a constituir família e tem, portanto, o dever de estado de prover da melhor maneira possível os seus? A resposta é simples. Esse “dar tudo” não significa desfazer-se literalmente das próprias posses, mas sim ter em relação a elas uma atitude de tal desprendimento que elas não se constituam em amarras que impeçam a elevação de nossas almas até as coisas celestes. Se não for assim, acaba-se por cair no desvio dos doutores da Lei, denunciado por Nosso Senhor neste trecho do Evangelho de São Marcos.
Na generosidade, a perfeita alegria
O exemplo supremo do dar, dar de si e dar-se por inteiro, nós o encontramos na segunda leitura deste domingo, tirada da epístola de São Paulo aos Hebreus (Hb 9, 24-28). O Pai tinha um Filho unigênito, gerado desde toda eternidade, e não criado. O amor d’Ele ao Filho e do Filho a Ele é tão intenso que d’Eles procede uma Terceira Pessoa, que é o Espírito Santo.
Apesar desse amor entranhado, o Pai resolveu entregar seu Filho para resgatar a natureza humana, extraviada pelo pecado. E o Filho, que deveria encarnar-Se na glória, uma vez que sua alma está na visão beatífica, suspendeu essa lei para assumir uma natureza mortal.5 Ele queria dar, dar de Si e dar-Se por inteiro, e, por amor a nós, assumiu um corpo padecente, sujeito a todas as dificuldades da vida nesta Terra. “Uma vez por todas, Ele Se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo” (Hb 9, 24-26).
Eis o exemplo divino, convidando cada um de nós a, segundo nossos deveres e possibilidades, dar não só daquilo que nos sobra, mas dar tudo. Foi Deus quem nos criou e redimiu, e por isso a Ele pertencemos. Tudo é d’Ele e deve voltar para Ele.
E assim como o Sol, a água ou as árvores, se fossem passíveis de felicidade, estariam completamente felizes pelo dom generoso de si, também nós encontraremos nossa perfeita alegria no dar, dar de nós e dar-nos por inteiro.
Remédio para nossas misérias e amparo contra as tentações
Quando alguém dá de si, seu egoísmo acaba sendo sufocado em benefício do serviço aos outros. Servir — quer seja dando um bom exemplo, um bom conselho, ou prestando algum auxílio — repara as nossas faltas e ao mesmo tempo nos afasta do pecado. Assim, um modo de adquirirmos forças para enfrentar as tentações é fazer o dom de nós mesmos.
Pelo contrário, quem se fecha em seu egoísmo, desprepara-se para o momento sempre presente da tentação, pois basta-nos existir para sermos um foco de solicitações para o pecado, como diz São Pedro: “Sede sóbrios e vigiai. O vosso adversário, o diabo, ronda como leão a rugir, procurando a quem devorar” (I Pd, 5, 8).
Procuremos a felicidade onde ela se encontra
Nada traz mais felicidade a uma alma do que devolver a Deus aquilo que Lhe pertence. A justiça consiste em “dar a cada um o seu direito”.6 Ora, se vêm de Deus todas as coisas que foram criadas e estão à disposição do homem, este é devedor de tudo quanto d’Ele recebeu. O empréstimo faz parte dos acordos entre os homens. Quem empresta fica à espera da devolução do bem emprestado; e quem o tomou de empréstimo tem obrigação de devolvê-lo ao dono. Ora, se isto é assim no relacionamento humano, não podemos nos esquecer: tudo o que temos não é senão um empréstimo de Deus! Desde nossa vida, até nossas capacidades e qualidades, passando por todos os nossos bens.
Assim seremos livres, pois só é realmente livre quem é justo, e põe nas mãos de Deus tudo o que d’Ele recebeu.
Daria indícios de loucura quem, tendo perdido alguma coisa dentro de um teatro, fosse procurá-la do lado de fora, alegando que a rua está mais iluminada. E o que faz o mundo hodierno? Por ter-se afundado no egoísmo, corre atrás da felicidade onde ela não se encontra. Proclamando que a liberdade consiste em entregar-se à sanha das paixões e das más inclinações, vai à procura da felicidade no vício, no pecado e em quantas loucuras, onde encontra, não a felicidade, mas a frustração, a depressão e, por vezes, as doenças. Dessa maneira, o egoísmo, fustigado por Nosso Senhor no Evangelho de hoje, já é castigado aqui na Terra, sendo ainda merecedor da pena eterna.
A verdadeira alegria está na generosidade virtuosa, pois é nela que o homem cumpre inteiramente sua finalidade de “conhecer, servir e amar a Deus” neste mundo, de modo a “ser elevado à vida com Deus no Céu”.7
1Cf. LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Marc. 5.ed. Paris: J. Gabalda et Fils, 1929, p.328.
2TUYA, OP, Manuel de. Biblia comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.499-500.
3Idem, p.710.
4Idem, p.710-711.
5Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.14, a.1, ad 2.
6Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.58, a.1.
7Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n.67.

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