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terça-feira, 30 de julho de 2013

Evangelho XVIII Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 12, 13-21

Continuação dos comentários ao Evangelho 18º  Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 -  Lc 12, 13-21

“Naquele tempo, 13 alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: ‘Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo’”.
As palavras iniciais do trecho evangélico contemplado deixam-nos patente a inteira disposição de Nosso Senhor de atender todas as pessoas ao seu redor. Mantendo o livre acesso a Si, sem intermediário algum, encontrava-se sempre pronto a responder às necessidades dos que d’Ele se aproximavam. Só este minúsculo pormenor já seria suficiente para encher-nos de confiança.
De fato, a cena narrada apresenta-nos o caso de uma pessoa que se dirigiu a Jesus para pedir ajuda. Trata-se, sem dúvida, de um irmão mais novo enfrentando dificuldades na partilha de uma herança que lhe cabia. Pela lei civil judaica, quando dois irmãos herdavam do pai um legado, este deveria ser dividido em três partes, ficando duas para o mais velho e tão somente uma para o outro (cf. Dt 21, 17).’ Dado o caráter ganancioso do ser humano, apesar da lei, esse preceito não deixava de motivar frequentes discussões no momento de sua aplicação. Era comum tais contendas terminarem diante de um juiz, de um rabino ou de outro árbitro apropriado. Segundo comenta Lagrange, “os rabinos haviam habituado os judeus a recorrerem a eles para fechar as questões que deviam mais ou menos ser resolvidas de acordo com os princípios do direito”.2
Um defeito comum a todas as eras
O contendor do Evangelho, ao se aproximar de Nosso Senhor pedindo-Lhe a intervenção na divisão de seus bens de família, nem parece ter-se detido um pouco para refletir a respeito da grandeza do Mestre diante da qual se encontrava, considerando-O apenas como alguém com enorme popularidade, como um advogado seguro para a causa que andava ganhar para si. Bem podemos imaginá-lo sofrendo a perda do progenitor já na idade madura. A juventude ficara para trás e ele desejava garantir o futuro, preocupação muitas vezes dominante na pessoa que avança em anos.3 Essa é a mentalidade dos que, em tal etapa da vida, perdem o senso da generosidade e a capacidade de compreender o caráter transitório das posses temporais. E o irmão mais novo do Evangelho está com os olhos fixos em seu futuro, naquilo que poderíamos definir — apesar de paradoxal — como a perpetuidade desta Terra.
Desde o primeiro momento da saída de Adão e Eva do Paraíso Terrestre, a natureza humana passou a procurar o fruto da árvore da vida no exílio, na pátria terrena. Também em nossos dias, e com mais intensidade do que em épocas anteriores, existe um forte anseio de encontrar, através da medicina, uma “ampola da vida eterna”, para tentar-se viver em um limbo permanente neste mundo. Essa atitude é muito comum e — segundo expressão usada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira — poder-se-ia denominar “limbolatria”,4 termo que bem designa a posição dos adoradores de uma existência feliz em um limbo sem fim, numa contínua fruição de prazeres aqui neste mundo, esquecendo-se da verdadeira eternidade e do sobrenatural. Diante de tal concepção da vida, involucrada no pedido relatado no Evangelho, vejamos qual foi a resposta do Divino Redentor.
A missão de Nosso Senhor não era temporal
14 Jesus respondeu: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?”
Não consta haver no Evangelho nenhuma negação clara e explícita de Jesus a qualquer pedido, sobretudo se feito com sincera humildade de coração. No entanto, no caso desse homem, Ele recusa pronunciar-se sobre o assunto, por não ser essa sua missão. Competia-a, sim, aos juIzes e rabinos, os quais tinham por direito tal responsabilidade. Segundo comenta Santo Ambrósio, “aquele que tinha descido por razões divinas, com toda a justiça rejeita as terrenas, e não se digna fazer-se juiz de pleitos nem repartidor de heranças terrenas, pois a Ele cabia julgar e decidir sobre os méritos dos vivos e dos mortos”.
Esses primeiros versículos são suficientes para deles tirarmos uma bela lição. A reação de Cristo nos mostra que quando alguém deseja um bem apenas para si, Deus se afasta. Zeloso, porém, pela eterna salvação de todos, quis apresentar àquele homem um novo ensinamento: o perigo de se deixar envolver de modo desequilibrado pelas questões de uma herança familiar. “Pedia o demandante a metade da herança” — afirma Santo Agostinho —, “pedia a metade de uma herança de Tena, e o Seiihor lha ofereceu toda inteira no Céu: dava-lhe mais do que pedia”.6 Isso acontecera pelo fato de estar aquele homem voltado para os bens visíveis com uma volúpia incomum, querendo tê-los, de qualquer forma, em suas mãos.
O que é a ganância?
15 E disse-lhes: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância. Porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”.
Em primeiro lugar, é surpreendente ver Nosso Senhor fazendo uso da palavra atenção, para mostrar a importância capital da frase que ia proclamar. Ora, nesse versículo, devemos levar em conta que quando Jesus fala em “todo tipo de ganância” está querendo dizer que não devemos estar fixados desequilibradamente na questão do dinheiro. Mas não só. Com efeito, se dissesse somente “com a ganância”, poderia significar tão só o dinheiro. Havendo dito “contra todo tipo de ganância”, poderia ou não estar se referindo a ele, abarcando, portanto, outros bens materiais.
Se desejamos algo para nossa estabilidade ou bem pessoal, divorciado do amor a Deus e ambicionado com sofreguidão, isto se chama ganância! Ensina-nos o Doutor Angélico que o pecado da ganância se efetua “quando se almeja adquirir e ajuntar riquezas ultrapassando a devida moderação. Isto é próprio da avareza, a qual se define como sendo um desejo desmedido de possuir”.7 Voltando, então, à história do infeliz monge-ferreiro, cabe perguntar: como é possível a vida de um homem se resumir no amor a uma fechadura?
Sejamos honestos e olhemos bem de frente o amplo campo de bens ao nosso redor. São João da Cruz os define com precisão: “entendemos por bens temporais riquezas, estados, ofícios e outras pretensões, e ainda filhos, parentes, casamento, etc.”.8 Esses bens poderão consistir até mesmo em uma fechadura, um bichinho ou um objeto ao qual nos apegamos em excesso ou de modo desequilibrado, embora nos afaste de Deus.
No entanto, existem outras espécies de ganância como a do sentimentalismo e do romantismo, que nos obrigam a pôr Deus de lado para adorarmos o que é meramente humano. Quando alguém entrega seu coração à ganância dessa consideração e adoração dos outros — e esta é a essência do romantismo —, sempre quererá mais, vivendo em contínua inquietação. Ainda outro tipo de ganância é a vaidade, que leva ao desejo de chamar a atencão sobre si, seja pela beleza física, causando cuidado excessivo da própria aparência, seja por achar-se possuidor de uma grande inteligência ou dotado de outras qualidades. Ganância podemos ter inclusive em relação à saúde, tomando cuidados desproporcionais e exclusivos em relação ao corpo e ao tratamento das doenças.
O apego pode se concentrar em poucos bens
Nosso Senhor fala em “abundância de bens”. Todavia, é preciso ter presente que se nos encontramos em uma situação de escassez material, de dinheiro ou de bens de outra índole, isto não significaria estarmos livres do risco de apego a alguma coisa, como mostra o conto sobre o monge e a fechadura.
Nesse sentido, continuando sua análise, São João da Cruz comenta como, de fato, é terrível a afeição desregrada à abastança material, mas explica que se uma pessoa tem muitos bens, o apreço dela se dividirá por todos eles. Será o caso, por exemplo, de um possuidor de mil moedas de ouro. Se vier a perder uma só, ficando com novecentos e noventa e nove, o abalo não será tão grande. Porém, se perder novecentos e noventa e nove, todo o seu cuidado pelas mil moedas se concentrará na que lhe restou. Dessa forma, quem tem poucos bens pode lhes ter um apego tão intenso como o de um nababo por toda a sua fortuna, esquecendo-se, por causa disso, de Deus.

É indispensável, contudo, ressaltar um matiz importante. Jesus não está condenando, nesta parábola, a posse de bens, nem o princípio de propriedade, mas sim a ganância, ou seja, o desregramento na consideração dos bens temporais.9

Continua no próximo post.

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