Conclusão dos comentários ao Evangelho Batismo do Senhor Mt 3, 13-17 - Ano A - 2014
SOMOS VERDADEIROS FILHOS DE DEUS
Toda a
pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja tem como núcleo o convite
para sermos filhos de Deus pelo Batismo. Este é um dos maiores milagres que é
possível fazer. Se alguém transformasse um pedregulho em colibri, faria um
milagre muito menor do que o operado no Batismo. Entre a pedra e o colibri há
certa proporção, pois ambos pertencem à natureza material. Mas, tornar uma
criatura humana partícipe da natureza divina é um salto infinito, que Nosso
Senhor nos concede com o Batismo.
Filhos, realmente filhos?
Poder-se-ia
objetar que Filho, de fato, é só Jesus Cristo, o Unigênito de Deus, e que nós
somos apenas filhos por adoção, filiação cujo alcance não passaria de uma mera
formalidade jurídica, um título honorífico desprovido de valor intrínseco. Não
obstante, a Escritura afirma com clareza que essa filiação adotiva é muito mais
substanciosa do que a adoção concebida em termos humanos.
Um dos
maiores empenhos de Nosso Senhor durante sua permanência entre os homens foi o
de vincar em nosso interior a convicção de que somos autênticos filhos de Deus.
Por isso, ao encontrar-se com Jesus, Nicodemos ouve de seus divinos lábios: “Em
verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de
Deus” (Jo 3, 3). Nascer de novo significa ter Deus como Pai, verdadeiramente...
E um outro nascimento! Quando nos ensina a oração perfeita, diz o Mestre: “Pai
Nosso” (Mt 6, 9); e, depois da Ressurreição, prepara seus discípulos para a
Ascensão, anunciando: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”
(Jo 20, 17). Demonstra com estas palavras que somos irmãos d’Ele, filhos do
mesmo Pai. Esta fundamental doutrina é ainda frisada por São João, no prólogo
de seu Evangelho: “a todos aqueles que O receberam, aos que creem no seu nome,
deu-lhes o poder de se tomarem fiihos de Deus” (Jo 1, 12); e na sua Primeira
Epístola: “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados
filhos de Deus. E nós o somos de fato” (I Jo 3, 1). 0 Apóstolo não é menos
incisivo ao insistir com os gálatas: “já não és escravo, mas filho. E se és
filho, então também herdeiro por Deus” (Gal 4, 7); ou, com os romanos: “somos filhos
de Deus. E, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus, co-herdeiros de
Cristo” (Rm 8, 16-17).
Refutando
os erros de certos teólogos heterodoxos que defendiam ser o Batismo apenas uma
capa, uma cobertura posta por cima da nossa corrupção, o Concílio de Trento
definiu que os batizados “se tornaram inocentes, imaculados, puros, sem mancha,
filhos diletos de Deus”;11 e explica que, pela justificação, o pecador passa
“do estado no qual o homem nasce filho do primeiro Adão, ao estado de graça e
‘de adoção dos filhos de Deus’ (Rm 8, 15)”.12
A alma é divinizada
Sim,
filiação real, porque por meio deste Sacramento Deus enxerta em nós sua própria
vida. Não, portanto, à maneira de um reboco extrínseco a uma parede e que de si
não a modifica interiormente, mas como se alguém, por milagre, injetasse ouro
nessa mesma parede, a ponto de quase não mais se ver areia ou reboco, mas tão
só o precioso metal. Esta figura é ainda inadequada e pobre para exprimir o que
se opera na alma quando lhe é infundida uma qualidade sobrenatural que a torna
deiforme, ou seja, semelhante a Deus em sua própria divindade. E com a graça
santificante a alma recebe, por ação divina, as virtudes — fé, esperança, caridade,
prudência, justiça, fortaleza, temperança — e os dons do Espírito Santo —
sabedoria, entendimento, ciência, conselho, piedade, fortaleza, temor —, pelos
quais passa a agir como Deus.
Neste
mundo, quantas vezes as pessoas anseiam por conseguir uma vaga num colégio, num
emprego, num clube, ou em outros lugares que as possam prestigiar. Ora, no Céu
temos reservada uma vaga eterna, um trono extraordinário, uma coroa de glória,
a partir do momento em que as águas batismais nos caem sobre a cabeça, constituindo-nos
herdeiros de Deus e garantindo-nos o convívio com Ele na felicidade sem fim.
E o
grande problema de nossos dias é ter sido esquecida esta verdade. Vivemos numa
civilização — se assim a podemos chamar — feita de pecado, especialmente a
impureza, a revolta contra Deus e o igualitarismo. Nela, a humanidade ignora o que
há de principal na existência: o chamado para essa filiação divina. Quanto
precisaríamos crescer na devoção ao nosso Batismo pessoal, ao Batismo dos
outros com quem nos relacionamos! Que veneração deveríamos conservar pela pia
batismal onde fomos batizados! Como teríamos de celebrar com fervor o dia do
nosso Batismo, considerando-o muito mais importante do que o próprio dia do nascimento,
porque nele nascemos para a vida sobrenatural, nascemos para o Céu! Eis a
maravilha que nos lembra a festa do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo.
1) Sobre o tema ver
também: CLA DIAS, EP, João Scognamiglio. O Batismo do Senhor. In: Arautos do
Evangelho. São Paulo. N.13 (Jan., 2003); p.6-11; No Batismo, Ele lavou nossas
misérias. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.133 (Jan., 2013);p.10-17;
2) Cf. SÃO BERNARDO.
Sermones de Tiempo. En la Vigilia de Navidad. Sermón I, n.4. In: Obras
Completas. Madrid: BAC, 1953, v.1, p.231.
3) SAO JOAO DE AVILA.
Sermones de Tiempo, 5. Epifanía, I. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953,
v.11, p.125.
4) Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Suma Teológica. III, q.39, a.4.
5) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía
XII, nl. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed.
Madrid: BAC, 2007, v.1, p.222.
6) SÃO TOMÁS DE AQUINO,
op. cit., a.5.
7) Cf. Idem, a.8.
8) Cf. Idem, a.6, ad 2-3.
9) Cf. Idem, I-II, q.112,
a.1.
10) SÃO TOMÁS DE AQUINO.
Super Epistolam Sancti Pauli Apostou ad Ephesios lectura. C.I, lect.1.
11) Dz 1515.
12) Dz 1524.
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