Missa do dia de Pentecostes
1 Quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos estavam todos
reunidos no mesmo lugar. 2 De repente, veio do céu um barulho como se fosse uma
forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. 3 Então apareceram
línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. 4 Todos
ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme
o Espírito os inspirava. 5 Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações
do mundo. 6 Quando ouviram o barulho, juntou-se a multidão, e todos ficaram
confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua. 7
Cheios de espanto e admiração, diziam: “Esses homens que estão falando não são
todos galileus? 8 Como é que nós os escutamos na nossa própria língua? 9 Nós
que somos partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
do Ponto e da Ásia, 10 da Frigia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia
próxima de Cirene, também romanos que aqui residem; 11 judeus prosélitos,
cretenses e árabes, todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na
nossa própria língua!” (At 2, 1-11).
Cheios do Espírito Santo, os apóstolos incendiaram o mundo.
A maravilhosa cena narrada por
São Lucas, nos Atos dos Apóstolos, é dos mais importantes na história da
Igreja. Para compreendermos a fundo seu significado, examinemos em que
circunstâncias ela se passou.
Estavam os apóstolos preparados para sua sublime vocação?
Qual a situação espiritual dos
apóstolos? Era de supor que, após três anos de convívio diário com Nosso Senhor
Jesus Cristo, estivessem preparados para a missão que lhes cabia, de firmar e
expandir a Santa Igreja. Contudo, não o estavam. Em várias passagens do
Evangelho, vemo-los repletos de fragilidades.
Logo após episódios, sermões e
milagres impressionantes, não se punham a fazer comentários sobre a grandeza
das palavras ou dos gestos do Mestre, mas sim a discutir a respeito de quem
seria o primeiro-ministro num suposto reino temporal que, acreditavam, Cristo
iria fundar...
Quando Jesus lhes dizia que
estavam para se cumprir as profecias a respeito de sua Paixão, Morte e
Ressurreição, eles nada entendiam (cf. Lc 18, 31-34), voltando a disputar sobre
quem seria o maior (Mc 9, 31-35). A mãe de João e Tiago aproximou-se um dia de
Jesus, acompanhada pelos dois filhos, para Lhe pedir que reservasse para eles
os dois primeiros cargos do futuro reino (cf.Mt 20, 20-23).
No fim da Santa Ceia, logo após
a saída de Judas, houve um diálogo revelador. Depois de Pedro dizer que estava
disposto a dar a vida pelo Mestre — declaração que Jesus não aceitou,
profetizandolhe a tríplice negação —, Tomé manifestou sua cegueira sobre os
acontecimentos iminentes, e Filipe demonstrou não estar plenamente consciente
da divindade de Jesus, pedindo-lhe: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta”(Jo
14,8). Ao que Nosso Senhor replicou: “Há tanto tempo estou convosco e não me
conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai. Como, pois, dizes:
Mostra-nos o Pai... Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim?” (Jo
14, 9-10).
Esta era a situação daqueles
que Jesus Cristo convocara para serem as colunas de sua Igreja. Não O
compreendiam. Por quê? Entre as várias explicações possíveis, três parecem de
maior peso.
Em primeiro lugar, o ser
humano, debilitado após o pecado original, não tem apetência de elevar as
vistas para as verdades superiores. Seu gosto está em voltar-se para cogitações
meramente práticas, concretas, atraído pelos aspectos medíocres da vida. Por
isso não se dá conta daquilo de grandioso para o qual é chamado. Este problema
se coloca de forma mais aguda para quem tem vocação incomum, como ocorreu com
os apóstolos: não percebiam que lhes cabia a maior missão da história.
Outra explicação é de natureza
psicológica. A sociedade de Israel era bem hierarquizada, tendo no topo a raça
dos sacerdotes, e depois toda uma coorte de pessoas vinculadas com o sacerdócio
ou a realeza, como os escribas, os fariseus e a classe mais abastada. De outro
lado, a Galiléia era uma região desprezada, considerada “bárbara” e ignorante.
Ora, os apóstolos eram quase todos galileus e pescadores. Sentiam-se, portanto,
em certa inferioridade. Agora lhes aparecia a oportunidade de subirem aos
primeiros cargos do novo reino...
Por fim, faltava-lhes um amor
ardoroso por Nosso Senhor. Se o tivessem, todo o resto se resolveria. Não
adiantava assimilarem a doutrina, nem mesmo ter fé e esperança, pois essas
virtudes de nada valem se não são acompanhadas pela caridade.
Nem após a Ressurreição de
Nosso Senhor desapareceram essas fragilidades. A incredulidade de São Tomé é
exemplo característico. Passou o Senhor entre eles mais quarenta dias, e fez
lhes revelações e deu ensinamentos. Não adiantou. Com o que continuavam
preocupados? Com a restauração do reino de Israel...
Ainda no momento da Ascensão,
quando o Divino Mestre lhes fala da vinda próxima do Espírito Santo, eis como
reagem: “Então os que se tinham congregado, interrogavam-No dizendo: Senhor,
porventura chegou o tempo em que restabelecereis o reino de Israel?” (At 1, 6).
A preparação para Pentecostes
Apesar de se encontrarem nesse
estado de espírito, a graça divina ia trabalhando suas almas.
Imediatamente antes da
Ascensão, Jesus havia ordenado aos apóstolos que não se afastassem de
Jerusalém, pois dentro de poucos dias seriam batizados no Espírito Santo.
Voltaram, então, para a Cidade Santa, e subiram ao andar superior do cenáculo:
“Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres,
entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele”(At, 1, 14).
Conta a Sagrada Escritura que
em certo momento São Pedro propôs que se escolhesse alguém para substituir
Judas, e “deitaram sortes e caiu a sorte em Matias” (At 1, 26). Nesta passagem
temos um dos pontos que é oportuno reter: a posição de São Pedro, que já
claramente age como Papa.
Vemos também como os apóstolos
conheciam o valor da oração. Por meio dela se preparavam para receber o
Espírito Santo. E “perseveraram unanimemente”, ou seja, estavam concordes, e
além disso estavam juntos, porque a oração de vários unidos pelo amor de Jesus
Cristo e em função d’Ele tem esta promessa: “Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18, 19).
Estavam recolhidos, modo
excelente de preparação para grandes acontecimentos. O próprio Jesus passara 40
dias no deserto, antes de iniciar sua vida pública. Embora não se possa dizer
que os apóstolos estivessem melhores do que antes, haviam tomado, assim, uma
atitude sapiencial. A graça de Pentecostes será, de algum modo, o desabrochar
de uma flor, cuja semente vinha germinando em suas almas. Quer dizer, apesar de
essa graça ter sido gratuita, uma iniciativa de Deus, eles, em certa medida,
prepararam o caminho para ela.
Por fim chegamos a um ponto
fundamental: oravam com Maria. Eis a condição indispensável para receber as
graças do Espírito Santo. Como esposa d’Ele, Nossa Senhora deve Lhe ter pedido
que descesse sobre os apóstolos. Reunindo-se com a Santíssima Virgem, os
apóstolos obtiveram graças que liberaram suas almas dos últimos obstáculos para
se beneficiarem com Pentecostes.
A descida do Espírito Santo
Pentecostes era uma das festas
tradicionais judaicas. Nela se ofereciam a Deus as primícias das colheitas do
campo. Tratava-se de uma das três grandes festas chamadas da “peregrinação”,
pois nelas os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no
Templo. Os judeus da diáspora (residentes no estrangeiro) designavam-na pela
palavra grega pentecosté (quinquagésimo), por ser celebrada 50 dias depois da
Páscoa.
“Estavam todos” presentes no
cenáculo, diz São Lucas nos Atos. Era toda a Igreja nascente: cerca de 120
pessoas, entre as quais os 12 apóstolos, os 72 discípulos e as santas mulheres.
Encontravam-se absortos na
oração quando se fez ouvir um ruído estrondoso e um vento impetuoso. Em
seguida, aparecem pequenas chamas. Segundo uma piedosa e antiga tradição, a
primeira língua de fogo — a mais rica — pousou sobre a cabeça de Nossa Senhora,
e a partir dela se multiplicou para os outros.
Por que essas manifestações
exteriores? Deus quis tornar visível a plenitude que entregava, o ímpeto de
amor, a grandeza do dom que descia. O “vento impetuoso” pode ser visto como a
chegada da torrente de graças que estavam sendo derramadas sobre todos os
presentes. Eram graças místicas eficazes e superabundantes que “invadiram” o
cenáculo.
Além do fenômeno auditivo, e
talvez sensitivo, terá havido um certo perfume? A idéia nos parece plausível. O
fogo, feito de luz e calor, era o melhor elemento para simbolizar o ardor
próprio à ação restauradora e entusiasmante do Espírito Santo. Ao pairarem
sobre as cabeças de Maria e dos demais presentes, as chamas se apresentavam sob
a forma de línguas de fogo. Nelas podemos ver simbolizadas as labaredas que a
pregação daqueles varões suscitaria. “... ficaram todos cheios do Espírito Santo”. De Maria a
Igreja exclama: “cheia de graça”, e de fato Ela o foi desde o primeiro instante
de sua Imaculada Conceição. No cenáculo recebe uma plenitude ainda maior. Nessa
passagem dos Atos vemos também os apóstolos, de acordo com suas respectivas
missões, serem inundados dos mais especiais dons. Lembraramse, então, com amor
e compreensão, de tudo o que o Mestre lhes ensinara, estando prontos para
percorrer o mundo pregando a Boa Nova.
A graça do Espírito Santo muda todos
Conta São Lucas que naqueles
dias Jerusalém estava repleta de judeus e gentios vindos de todas as partes da
terra. Como o ruído da ventania fora ouvido por toda a cidade, reuniu-se diante
do cenáculo “muita gente e
maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua.
Profundamente impressionados, manifestavam a sua admiração: ‘Não são,
porventura, galileus todos estes que falam? Como então todos nós os ouvimos
falar, cada um em nossa própria língua materna?’ (…) Estavam,
pois, todos atônitos e, sem saber o que pensar, perguntavam uns aos outros: ‘Que significam estas coisas?’
Outros, porém, escarnecendo, diziam: ‘Estão todos embriagados de vinho doce’.”
(At 2, 5-13)
Neste trecho se diz que os
apóstolos (como os discípulos e as santas mulheres) começaram a falar várias
línguas (At 2, 4) e, mais adiante, que cada um os ouvia falar na sua própria
língua (At 2, 6). Não fica claro se falavam uma língua e todos os entendiam, ou
se falavam várias. Os exegetas não são concordes a tal respeito. Uma expressão
no versículo anterior, “conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”,
favorece a segunda hipótese.
São Pedro levantou a voz e disse
ao povo: “Homens judeus e vós todos os que habitais em Jerusalém: seja-vos isto
conhecido e com ouvidos atentos ouvi as minhas palavras. Estes homens não estão
embriagados, como vós cuidais, sendo a hora terceira do dia” (At 2, 14-15).
Ninguém se embriaga às nove da manhã (a hora terceira). Estavam “ébrios”, mas
de uma embriaguez divina, e proclamavam a doutrina do Divino Mestre,
pronunciando palavras de sabedoria, acerto, glória e repreensão.
“Mas cumpre-se o que foi dito
pelo profeta Joel: Acontecerá nos últimos dias...” (At 2, 14). São Pedro
recordou as profecias sobre Cristo. O povo as conhecia e se impressionou,
abrindo os corações à conversão. O príncipe dos apóstolos finalizou suas
palavras, dizendo: “A este Jesus, Deus o ressuscitou: do que todos nós somos
testemunhas. Exaltado pela direita de Deus, havendo recebido do Pai o Espírito
Santo prometido, derramou-o como vós vedes e ouvis. Pois Davi pessoalmente não
subiu ao céu, todavia diz: O Senhor disse a meu Senhor: Senta-te à minha
direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés (Sl 109,
1). Que toda a casa de Israel saiba, portanto, com a maior certeza de que este
Jesus, que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo.”
São Pedro faz aqui, como Papa,
a primeira proclamação de um dogma na história: o da divindade de Nosso Senhor.
“Ao ouvirem essas coisas,
ficaram compungidos no íntimo do coração e indagaram de Pedro e dos demais
apóstolos: ‘Que devemos fazer, irmãos?’ Pedro lhes respondeu: ‘Arrependei-vos,
e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos
vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para
vós, para vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor,
nosso Deus’” (At 2, 37-39).
Terá se convertido a maior
parte dos que ouviram São Pedro? Os Atos dos Apóstolos não nos dão elementos
para saber. Mencionam, todavia, os que “escarnecendo, diziam: Estão todos embriagados de vinho
doce” (At 2, 13). Assim, a mesma graça que convertia a muitos,
acabava sendo rejeitada por outros. Também não devem ter sido boas as reações
dos fariseus, ao saberem desses prodígios e do início da glorificação pública
d’Aquele que haviam feito crucificar.
Foram batizadas três mil
pessoas. Em poucas horas, a Igreja passava a contar com pelo menos 3.120
membros. Era o início do apostolado em sistema de “avalanche”, que se
multiplicaria quando os apóstolos começassem a fazer milagres. Em breve iam
estender a evangelização por todo o mundo antigo, e chegaria um momento em que
o Império Romano inteiro estaria cristianizado.
Pedir uma nova efusão de graças
Para iniciar o terceiro milênio
da Era Cristã, o Santo Padre quis publicar uma Carta Apostólica, assinada na
Praça de São Pedro em 6 de janeiro de 2001. Nesse belíssimo documento,
assinalamos o seguinte trecho: “Ao longo destes anos, muitas vezes repeti o
apelo à nova evangelização; e faço-o agora uma vez mais para inculcar sobretudo
que é preciso reacender em nós o zelo das origens, deixando-nos invadir pelo
ardor da pregação apostólica que se seguiu a Pentecostes. Devemos reviver em
nós o sentimento ardente de Paulo que o levava a exclamar: ‘Ai de mim se não
evangelizar!’ (1 Cor 9,16)” (Novo Millennio Ineunte, nº 40).
Eis aí indicado o caminho para
que neste terceiro milênio a Igreja rebrilhe com uma luz ainda mais fulgurante
que nos séculos anteriores: “reacender em nós o zelo das origens, deixando-nos
invadir pelo ardor da pregação apostólica que se seguiu a Pentecostes”.
Festa do amor de Deus,
Pentecostes nos traz esta mensagem: devemos ter pela Santa Igreja Católica um
amor sem limites, que se traduza em interesse candente por ela, em orações, em
obras de apostolado. Se nós, católicos, formos assim, todos os males que
afligem o mundo de hoje serão vencidos.
Assim como os apóstolos,
perseveremos com Maria Santíssima em oração, pedindo que o Espírito de
Caridsade nos infunda aquele amor que lhes abrasou: “Emitte Spíritum tuum et creabuntur. Et renovabis fáciem terrae” —
“Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da
terra”.
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