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segunda-feira, 16 de junho de 2014

EVANGELHO — XII DOMINGO DO TEMPO COMUM — ANO A – Mt 10, 26-33

COMENTÁRIO AO EVANGELHO — XII DOMINGO DO TEMPO COMUM — ANO A – Mt 10, 26-33
Amanhã, tudo saberemos!
A morte, com sua implacabilidade, retira de nossos olhos os óculos que falseiam a visão do universo criado e do relacionamento de cada um de nós com o próximo e com Deus. No dia do Juízo “nada há encoberto que não se venha a descobrir, nem oculto que não se venha a saber”.
EVANGELHO Mt 10, 26-33
26 Não os temais, pois, porque nada há encoberto que não se venha a descobrir, nem oculto que não se venha a saber. 27 O que Eu vos digo às escuras, dizei-o às claras e o que vos é dito ao ouvido, pregaio sobre os telhados.
28 Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes Aquele que pode lançar a alma e o corpo na Geena. 29 29 Porventura não se vendem dois passarinhos por um asse? E, todavia, nem um só deles cairá no chão sem a permissão de vosso Pai. 30 Até os próprios cabelos da vossa cabeça estão todos contados. 31 Não temais, pois. Vós valeis mais que muitos passarinhos.
32 Todo aquele, portanto, que Me confessar diante dos homens, também Eu o confessarei diante do meu Pai que está nos Céus. 33 Porém, quem Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai, que está nos Céus (Mt 10, 26-33).
I – FUNDO DE QUADRO
O homem e a procura da verdade
“As palavras voam e a escrita permanece”, diz um antigo ditado. De fato, quão imensurável é o montante de frases, considerações e discursos proferidos pelos homens, volatilizados ao longo da História! Entretanto, muitas vezes a própria palavra escrita perece. Onde foram parar os impressos produzidos em todos os cantos da terra, a partir de Gutenberg? Muitos desapareceram sem deixar traço.
A verdade, porém, é perene. A mentira, os sonhos fantasiosos, as desconfianças infundadas e outros delírios do gênero têm curta duração; o tempo se encarrega de apagar sua lembrança.
Todavia, apesar de a verdade gozar de sólida estabilidade, às vezes não é fácil discerni-la. Em virtude do nosso senso do ser, nós a procuramos noite e dia sem cessar, e às vezes não a encontramos porque nosso egoísmo, ou nosso amor próprio, ou nossas paixões desordenadas se interpuseram como obstáculo. Quando a fé não ilumina a razão, e esta não orienta retamente a vontade, criamos critérios próprios, carregados de cores desproporcionadas que, com maior ou menor intensidade, alterarão a objetividade da verdade. Por outro lado, pelo desvario de nossos prazeres, apetências e imaginações, modelamos segundo as leis da mentira tudo aquilo que ilusoriamente o capricho nos apresenta como eterna felicidade.
Só por essa razão já podemos medir como foi importante Jesus haver instituído o Papado. Se não tivéssemos Papa, onde obteríamos consistentes interpretações da Revelação, da Fé e da Moral?
O famoso compositor Verdi atribuiu à mulher a mobilidade de uma pluma ao vento (1), mas enganou-se restringindo a ela esse predicado. Na verdade, trata-se de uma característica do pensamento humano in genere. Diante desse problema, como podemos ver, por nós mesmos, a verdade sem véus nem fantasias?
A morte, fim de todas essas quimeras
Vivemos nesta terra em estado de prova e de passagem. Tão precária é nossa situação que nos enganamos facilmente mesmo a propósito do tempo, vivendo como se nossa permanência neste mundo fosse eterna. Não é raro cruzar pela nossa mente aquele sonho da possível descoberta do elixir da longa vida, ou do elixir da própria imortalidade. Muitos prefeririam estender ao infinito os limites de sua existência terrena, transformando-a numa espécie de Limbo perpétuo, quer dizer, um tipo de vida no qual pudessem ter felicidade natural, sem nenhum vôo de espírito. Esses participam, consciente ou inconscientemente, de um culto implícito que poderia muito bem ser rotulado de limbolatria.
A morte, com sua implacabilidade e trágica realidade, põe fim a essas quimeras, e retira de nossos olhos os óculos que falseiam a visão do universo criado e do relacionamento de cada um de nós com o próximo e com Deus. Ademais, a morte traz consigo o Juízo divino: “Nada há encoberto que não se venha a descobrir” (v. 26).
Aqueles de nós que se entregam ao pecado, fazem-no muitas vezes às escondidas, longe da vista alheia, por causa do sentimento de vergonha, esquecendo-se de que não podem se esconder da vista de Deus, pois n’Ele fomos criados, n’Ele existimos e n’Ele nos movemos, segundo ensina São Paulo (2). Nada escapa à lembrança de Deus. Pensamentos, desejos, palavras, silêncios, atos e omissões de cada um de nós, segundo por segundo, são conhecidos por Deus: “Até os próprios cabelos de vossa cabeça estão todos contados” (v. 30).
É sobre isso que Jesus nos fala no Evangelho de hoje: tudo quanto houver de mais oculto será descoberto, e todos conhecerão tudo de todos.
Dois serão os momentos da verdade: o do Juízo Particular e o do Final. Não haverá contradição entre um e outro, nem sequer será um a revisão do outro, mas, sim, uma confirmação. Nossas ilusões, como também nossas faltas ou virtudes, sempre têm não só uma repercussão social, mas até mesmo efeitos correlacionados com a ordem do universo. Desse modo, ao homem como indivíduo cabe um juízo particular e, enquanto membro de uma sociedade, um juízo universal.
O Juízo Particular
Não estaremos a sós nem sequer no Juízo Particular, pois Deus, a Verdade em sua essência, estará presente. Nessa ocasião reveremos todas as nossas impressões, apreços, ânsias, raciocínios, etc., pelo prisma da Verdade, que se apresentará majestosa diante de nós. Nessa hora, de que nos adiantarão as honras, as riquezas, os prazeres, os romantismos e coisas do gênero? Terrível será comparecer a esse Juízo em estado de pecado, sem o devido arrependimento e sem ter recebido o Sacramento da Reconciliação. Terrível, porque não haverá mais tempo para implorar perdão.
Que Deus não nos permita cair em tal situação. Quem tivesse essa desventura, veria até mesmo os méritos da Paixão e Morte de Cristo — entretanto colocados à nossa disposição para salvar-nos — levantando-se contra si para condenar. O bom e misericordioso Jesus, todo feito de suavidade, estariaa invocar o seu Preciosíssimo Sangue, derramado todo na Cruz, como motivo de condenação, para lançar o infeliz imediatamente no inferno.
Aqueles que um dia clamaram: “Caia o seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27, 25), assistiram anos depois à tremenda catástrofe da destruição de sua amada Jerusalém. Castigo análogo e infinito se precipitaria sobre nós se caminhássemos ao encontro de Jesus sem estarmos devidamente em ordem. Ah! se tivéssemos sempre claro aos nossos olhos que, com nossos pecados, preparamos o dia da cólera divina, seríamos santos. Quanto mais pecamos, mais ira acumulamos sobre nossa cabeça e mais implacável será nosso Juízo. O versículo 26 do Evangelho de hoje nos traz uma advertência no sentido de jamais cometermos pecado, e, se por desgraça cairmos, de procurarmos sem tardança a reconciliação com Deus. Hodie si vocem eius audieritis, nolite obdurare corda vestra — “Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações” (Hb 3, 15).
O Juízo Final
Sob o prisma da repercussão social do pecado, é indispensável até mesmo para a plenitude do triunfo de Cristo a realização de um juízo universal.
Jesus fez-se Homem com uma doçura insuperável; é impossível haver maior manifestação de humildade, pobreza e misericórdia do que a d’Ele. Seu desejo de derramar todo o seu sangue para salvar a humanidade, elevá-la a um plano divino e, assim, abrir-lhe um caminho seguro, feliz e santo para a eternidade, realizou-se com perfeição.
Indo em sentido oposto, a maior parte da humanidade pisou sobre esse sangue, preferindo as vias do pecado e dos prazeres ilícitos. Por isso, o valor infinito dos méritos do sacrifício do Calvário impõe a realização de um juízo universal, a fim de “recapitular todas as coisas em Cristo” (Ef 1, 10). Se Cristo foi publicamente ofendido, é indispensável que também de maneira pública sejam proclamados seu poder, honra e glória. Antes de se iniciar uma nova “era histórica” — a da eternidade, na qual todos viverão ressurrectos, em corpo e alma, alguns na glória, outros condenados ao inferno — será necessário ficar claro para todos o quanto o livre arbítrio não significa a liberdade de praticar o mal, de pensar e abraçar o erro e de cultuar o feio. Todos devem ver também com toda a evidência que o prêmio dos bons vem do fato de submeterem sua vontade a Cristo, motivo pelo qual são chamados a reinar com Ele nos Céus.
O Juízo Final tem, ademais, um importante papel no tocante à vida social, pois facilmente nos equivocamos julgando que a morte encerra de maneira cabal a presença e a ação do homem sobre a terra. Tanto uma como a outra continuam de um modo indireto.
Assim, não é raro acontecer que a boa ou má fama de um falecido contrária à verdade, permaneça na lembrança de eras históricas inteiras. Às vezes, filhos maus de pais bons tornam equívoca a interpretação dos atos de seus progenitores, e vice-versa. Por mais que haja um violento corte entre a vida no tempo e a passagem para a eternidade, não poucas vezes os efeitos das obras boas ou más realizadas aqui, continuam a repercutir por longos anos.
“Por justo juízo de Deus, fui condenado!”
Este é um assunto tão rico que mesmo uma vasta biblioteca não conseguiria abarcar todas as obras necessárias para abordá-lo de maneira exaustiva. Contudo, para efeitos do presente artigo, vale a pena ilustrá-lo considerando um fato preservado pela tradição da Ordem dos Cartuxos.
Conta a história que seu fundador, São Bruno, resolveu abandonar o mundo e tornar-se monge ao testemunhar espantoso acontecimento passado com um então célebre personagem da Paris do século XI, Raymond Diocrés, doutor em Teologia, professor e considerado pessoa muito virtuosa. Faleceu ele no ano de 1082. Uma multidão, com destaque para seus alunos, acorrera para velar seu corpo, colocado, conforme o costume da época, num majestoso leito e coberto com um suave véu.
Sob o olhar atento dos presentes, deu-se início ao Ofício de defuntos. Ora, a certa altura, na leitura de uma das lições, é proclamada a pergunta:
 “Responde-me: Quão grandes e numerosas são tuas iniqüidades?”
Qual não foi o espanto de todos, ao ouvirem uma voz sepulcral, mas clara, saída de baixo do véu mortuário dizendo:
— Por justo juízo de Deus, fui ACUSADO!
Interrompem o Ofício e levantam o véu, e ali estava o morto gelado e enrijecido, sem o menor sinal de vida.
Recomeçam o Ofício e novamente, ao chegar-se à pergunta acima mencionada, “responde-me”, espanto muito maior: o corpo, antes rígido, desta vez se levanta à vista de todos e, com voz mais sonora e forte, afirma:
— Por justo juízo de Deus, fui JULGADO.
E, logo a seguir, cai sobre o leito.
Numa atmosfera de terror generalizado, os médicos analisaram o cadáver, atestando cuidadosamente a inexistência do menor sopro de vida, inclusive por estarem rígidas as articulações. Não houve clima psicológico para retornarem às orações oficiais, que foram transferidas para o dia seguinte.
A cidade de Paris ferveu de comentários e discussões sobre o caso: uns defendiam a tese de que aquele homem havia sido condenado, e era assim indigno das bênçãos da Igreja; outros afirmavam que todos nós seremos ACUSADOS, e depois, JULGADOS.
O próprio Bispo oficiante foi partidário desta opinião e por isso reiniciou, no dia seguinte, a mesma cerimônia, desta vez ainda mais concorrida, com um público pervadido de extrema apreensão e curiosidade.
Na mesma passagem da quarta leitura de Matinas, o Bispo proclamou:
“Responde-me...” Em meio ao grande suspense, o falecido Raymond Diocrés se levantou e, numa voz aterradora, exclamou:
— Por justo juízo de Deus fui CONDENADO!
E tornou a cair imóvel.
Não havia dúvida, estava desfeito o enorme equívoco sobre sua imerecida reputação e falsa glória. Por ordem das autoridades eclesiásticas, o corpo foi despojado de suas insígnias e lançado em vala comum.
O episódio marcou profundamente aqueles anos e foi esta a razão pela qual Bruno e seus primeiros quatro companheiros, testemunhas oculares do fato, resolveram abandonar o mundo e abraçar a vida religiosa, resultando daí a fundação da Ordem dos Cartuxos.
Dies irae, dies illa...
Por esse ilustrativo acontecimento podemos fazer idéia de quão numerosos serão os equívocos sobre a realidade das consciências e dos juízos de Deus. E só por essa narração já se entenderia melhor a necessidade de um juízo universal.
Em sua sóbria mas eloquente majestade, a Santa Igreja canta os aspectos terríveis daquele dia, na Sequência da Missa de “Réquiem”: o “Dies Irae”. Mozart dizia estar disposto a trocar a honra que todas as suas obras lhe granjearam, pela autoria desse único moteto gregoriano.
“O dia da ira, aquele que reduzirá tudo a cinzas... Que terror, quando o Juiz vier para tudo examinar rigorosamente!... Será apresentado o livro que contém tudo pelo qual será julgado o mundo. Quando o Juiz estiver sentado, tudo quanto está oculto será revelado, nada restará impune ...”
Naquele dia, saber-se-á a razão das perseguições, das heresias, dos martírios, das calúnias, das invejas, etc. Será o dia do triunfo da justiça divina, cada um receberá à vista de todos aquilo que merece. Porém, não será um dia marcado por vinte e quatro horas, mas sim eterno. Pelos séculos dos séculos, sem fim, as minúcias do comportamento de cada um dos seres humanos ficará na lembrança dos santos e dos condenados.

Assim, não devemos descuidar de nossa salvação eterna, tal qual nos recomendam doutores e espiritualistas, como Monsabré, de quem encontramos esta cogente advertência: “Comparecereis muito em breve diante do trono de vosso grande Juiz. Ouvireis sair de sua boca uma bênção ou uma maldição? Eu o ignoro. Tudo quanto posso dizer é que necessitais tomar vossas garantias seguindo este conselho do Apóstolo: ‘Com temor e tremor trabalhai por vossa salvação’ (Fl 2,12)”
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