Comentários ao Evangelho da Festa da Exaltação da Santa Cruz - Jo 3, 13-17
Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 13“Ninguém subiu
ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. 14Do mesmo modo
como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do
Homem seja levantado, 15para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna.
16Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho
unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna.
17De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para
que o mundo seja salvo por ele”. ( Jo 3, 13-17)
A Cruz, centro e ápice da História
Para compreender a
arquitetonia do magnífico plano divino da criação, devemos ver a Redenção
operada na Cruz como o centro da História, em torno do qual tudo se conjuga
para a glória de Deus, até mesmo o pecado.
I – A CRUZ NOS ABRIU AS PORTAS DO CÉU
Quando Adão e Eva, por
causa do pecado, foram expulsos do Paraíso, as portas do Céu se fecharam para o
homem, e assim teriam permanecido até hoje se não fosse a Redenção. Poderíamos
chorar nossa culpa, mas as lamentações de nada adiantariam para nos alcançar o
convívio eterno com Deus, pois só uma iniciativa d’Ele o poderia fazer. E foi o
que aconteceu quando Se encarnou e morreu por nós na Cruz.
É por isso que a
Igreja quer concentrar a atenção dos fiéis nesse augusto Madeiro, celebrando a
festa da Exaltação da Santa Cruz, e no dia seguinte a comemoração de Nossa
Senhora das Dores, que une à Cruz as lágrimas de Maria Santíssima, Corredentora
do gênero humano. Em ambas as celebrações, a Liturgia nos permite venerar de
modo especial o instrumento de nossa salvação, o qual passou a ser objeto de
adoração a partir do momento em que Jesus Cristo foi nele crucificado, com
terríveis cravos que transpassaram sua Carne sagrada. Tal é o poder do preciosíssimo
Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo! Devemos adorar a Cruz com a mesma latria
que tributamos ao Homem-Deus, tanto por ser imagem d’Ele quanto por ter sido
tocada por seus membros divinos e inundada por seu Sangue.1 Por este motivo,
recomenda-se manter duas velas acesas durante a exposição de uma relíquia do
Santo Lenho.
Diante do panorama apresentado
pela Igreja nesta ocasião, é preciso considerarmos de maneira apropriada o
mistério de um Deus crucificado.
O universo é ótimo no seu conjunto
Como ensina a teologia,
tudo quanto Deus criou poderia ser mais perfeito, à exceção de três criaturas:
a humanidade santíssima de Jesus Cristo, a visão beatífica e a Mãe de Deus.2 No
entanto, é importante lembrar, no seu conjunto o universo não poderia ser
melhor, pois sua ordem é insuperáve1. O Gênesis descreve como, ao longo dos
dias da criação, Deus deitou seu olhar sobre cada uma das partes de sua obra e
viu que eram boas; no sexto dia, porém, quando a contemplou inteira, viu que era
ótima (cf. Gn 1, 31).
Contudo, parece
difícil conciliar essa ideia de perfeição do universo com a existência do pecado.
Seria bem mais do nosso agrado um mundo livre de qualquer entrave, problema ou
complicação, em que todas as criaturas fossem excelentes, os Anjos e os homens
correspondessem plenamente à graça, sem cometer uma só falta, e não houvesse inferno.
Ora, nessas condições a Redenção seria desnecessária, e é provável que o Verbo
também não Se encarnasse, do que se infere que Deus não escolheria uma Mãe para
Si. Das três criaturas perfeitíssimas existentes agora — Jesus, Maria e a visão
beatífica —, só ficaria esta última. O universo seria menos belo e daria ao
Criador uma glória menor do que o nosso, maculado pela culpa original e por
todas as suas consequências.
Passemos, então, a
analisar a Liturgia de hoje de dentro dessa perspectiva, para entendermos com
profundidade o problema da Cruz.
II – UMA PRÉ-FIGURA DE CRISTO CRUCIFICADO
A primeira leitura,
extraída do Livro dos Números (21, 4-9), aborda um episódio da travessia do
deserto rumo à Terra Prometida: “Os filhos de Israel partiram do Monte Hor,
pelo caminho que leva ao Mar Vermelho, para contornarem o país de Edom” (Nm 21,
4). Era uma marcha penosa, por ser um terreno árido, inóspito e sem água.4 Além
disso, o povo se enfastiara com o maná, o “pão vindo do céu” (Sl 104, 40) que
Deus lhes concedia para sustento, fazendo-o chover junto com o orvalho (cf. Nm
11, 9). Como os israelitas, por terem saído de um ambiente
impregnado de tremenda volúpia, deviam adquirir gostos temperantes, o maná, que
era uma comida leve, da qual só se podia recolher uma determinada medida.
embora satisfizesse o apetite deixava-os com a sensação de que lhes faltava
algo. Eles queriam alimentos fortes, como as cebolas e os alhos do Egito de cuja
privação já se haviam lamentado pouco antes (cf. Nm 11, 5).
Essa situação do povo
hebreu nos sugere uma analogia com a vida espiritual. Todos nós, batizados,
somos convocados a entrar na “Terra
Prometida” da santidade e, a certa altura do percurso, temos de atravessar o
deserto da aridez. A sensibilidade do sobrenatural se retira, desaparece de
nosso panorama interior qualquer consolo ou amparo palpável e, se não soubermos
sofrer a ausêncja desses estímulos, choramos pelas “cebolas do Egito”, que são
os elementos do passado aos quais renunciamos para trilhar as vias da virtude.
Em tais fases de provação, só temos para a caminhada um maná vindo do Céu: a
graça cooperante, que Deus nunca deixa de conceder, mas exige de nós o esforço e
o sacrifício.5
Continua no próximo post
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