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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Evangelho – XV Domingo do Tempo Comum – Mc 6, 7-13 - Ano B

Comentário ao Evangelho – XV Domingo do Tempo Comum – Mc 6, 7-13
Naquele tempo:  7 Jesus chamou os doze,  e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros. 8 Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura.
9 Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. 10 E Jesus disse ainda: 'Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. 11 Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!' 12 Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. 13 Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo.
Os Doze são enviados em missão
Jesus conferiu aos Apóstolos o poder de expulsar os espíritos imundos e o dom de curar os enfermos, para que os homens daquela época dessem crédito à mensagem do Evangelho. E em nossos dias, qual é a prova da autenticidade da Boa Nova que os evangelizadores devem apresentar ao mundo moderno?
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – A cruz, companheira inseparável do apóstolo
Antes de enviar os Apóstolos em missão, a pregar o Evangelho, Jesus dá-lhes preciosos conselhos que, embora possam parecer a alguns um tanto árduos de serem postos em prática, continuam inteiramente válidos, pois, Suas palavras permanecem para sempre.
Falava Ele para homens de Seu tempo, fazendo uso dos recursos de linguagem próprios à cultura dos orientais, na qual abundavam as imagens, os enigmas, as parábolas. Mas estas, desde que devidamente interpretadas, revelam valiosas normas de apostolado, utilíssimas para quem segue hoje os passos do Mestre na meritória e difícil tarefa de evangelizar.
Antes, porém, de entrar na consideração do Evangelho do 15º Domingo do Tempo Comum, detenhamo-nos um pouco no episódio imediatamente anterior — a visita a Nazaré —, para melhor penetrarmos no sentido dos ensinamentos de Nosso Senhor aos Doze, com vistas à missão que lhes daria.
Seus compatrícios O rejeitaram
Poder-se-ia afirmar, em termos coloquiais, que a pregação de Jesus em Nazaré redundou num verdadeiro fracasso: ali Ele provavelmente não conseguiu converter ninguém e quase não fez milagres.

São Marcos reproduz os comentários feitos pelos conhecidos “do carpinteiro”, nos quais transparece o deplorável vício da inveja, decorrente da comparação das próprias qualidades, sobrevalorizadas por uma análise complacente, com os talentos dos outros. E, neste caso, a comparação era com o próprio Jesus: “Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco?” (Mc 6, 3). Em outras palavras, “não é este aquele homem que eu conheço há muito tempo, que vale tanto como eu, e agora se apresenta como profeta, fazendo milagres? Como tem ele esses dons, e eu, não?”.
Com frequência, o convívio muito próximo e assíduo provoca um curioso fenômeno de cegueira espiritual em relação às qualidades e virtudes do próximo. Os habitantes de Nazaré não conseguiam ver em Jesus nada mais além do que o “carpinteiro”, “irmão de Tiago”. Ficaram incapazes de ver nEle o Filho de Deus. E, no entanto, Ele era o Messias prometido!
É de se notar que, antes de ir para Nazaré, Jesus tinha operado um milagre que deixara assombrados todos os circunstantes: ressuscitara a filha de Jairo, recém-falecida: “Saindo dali, Jesus foi para a sua própria terra” (Mc 6, 1). Fazer um morto retornar à vida, somente Deus tem poder para tal. Era natural que uma notícia desse porte corresse à frente do Divino Mestre. Assim, ao chegar Ele a Nazaré, tão extraordinário fato era já do conhecimento geral.
Seria, portanto, de esperar que Seus compatrícios — sobretudo os parentes mais próximos — se alegrassem com tal acontecimento, pois Deus escolhera um do meio deles, para tão alta missão. Não! Pelo contrário, fecharam o coração, rejeitaram Jesus, tentaram até matá-Lo, conforme narra São Lucas (cf. 4, 29). Mistério da iniquidade...
O Mestre forma o espírito dos Apóstolos
Nasce então a pergunta: por que razão Cristo, que tudo conhecia, quis visitar Nazaré, junto com os Apóstolos?
Ele já sabia que Sua pregação seria em vão... Além disso, ali vivera desde seu regresso do Egito, e conhecia a fundo a dureza de coração de seus conterrâneos. Sem dúvida, ao longo desse período, deve ter-Se empenhado em abrir-lhes a alma para a grandeza dos dias que eles viveriam, quando Ele Se manifestasse como o Messias. E sabia o quanto eles estavam longe dessas perspectivas grandiosas.
O que O levou então a Nazaré? Uma das razões, certamente, era a de preparar os Apóstolos para a missão de anunciar o Evangelho.
Tinha Ele percorrido a Galileia fazendo todo tipo de milagres, mas, pelo modo como o Evangelista Marcos relata a passagem por Nazaré, o acontecido nessa cidade não marcou menos o coração dos Seus discípulos, os quais não deixaram de ressaltar aquele aparente fracasso: “E não conseguiu fazer ali milagre algum” (Mc 6, 5).
Para formar o espírito dos Apóstolos, o próprio Jesus não deixou de manifestar-lhes o quanto a incredulidade daquela gente era inusitada: “Ele Se admirava da incredulidade deles” (Mc 6, 6). Dessa maneira, pelo choque gerado por atitude tão surpreendente dos nazarenos — a rejeição da graça e dos benefícios que lhes eram oferecidos —, procurava certamente Jesus ensinar, de modo divino, como todo aquele que se dedica ao apostolado não pode deixar-se levar por ilusões. Pois a tendência normal do apóstolo é difundir o bem, sobretudo entre os mais próximos. E, por vezes, é entre estes que encontra maior rejeição.
Atitude do apóstolo perante a rejeição
O que, então, precisa ser feito? A verdade não deve ser imposta, mas oferecida com despretensão. Se os ouvintes não a quiserem aceitar, o apóstolo, em vez de insistir, procure anunciá-la a quem tiver boas disposições. Por isso, Jesus não fez milagres em Nazaré: se procurasse impor a verdade por meio de sinais extraordinários, aumentaria a culpa daqueles que a rejeitavam. E, nisso, ainda havia um ato de misericórdia em relação a quem fechava a alma para o Bem.
O que deve fazer o apóstolo quando é rejeitado em algum lugar? O exemplo dado pelo Mestre é inequívoco: “Percorria os povoados da região, ensinando” (Mc 6, 6).
É admirável o modo como Ele preparava os Apóstolos para a missão que logo em seguida haveria de lhes dar. Seu divino método pedagógico estava baseado no Seu sublime exemplo. Primeiro, fez com que O acompanhassem na pregação, vissem os milagres operados, participassem até de uma investida fracassada, em Nazaré, onde tudo parecia concorrer para que a pregação obtivesse bom êxito. Só depois os envia em missão a pregar a Boa Nova, quando seu espírito já estava mais preparado pela experiência e fora já um tanto abalada a ilusão de que à frente deles se abria uma larga e cômoda avenida de sucessos.
O que o apóstolo deve esperar encontrar pelo caminho não são sucessos, mas o mais das vezes, incompreensões, obstáculos e sofrimento. A Cruz será a companheira inseparável do verdadeiro apóstolo, mesmo que lhe seja concedido o dom de fazer milagres e dominar os espíritos impuros.
II – Recomendações do Divino Mestre
7 “Então chamou os Doze...”.
Em tudo quanto fazia Nosso Senhor, encontramos princípios de altíssima sabedoria, pois Seus atos eram realizados com divina perfeição. Podemos, pois, perguntar-nos por que terá Ele escolhido doze Apóstolos, e não um outro número qualquer, de acordo com as necessidades concretas do momento. Em seus comentários ao Evangelho de São Mateus, São Tomás de Aquino dá uma razão: “Por que doze? Para mostrar a conformidade entre o Antigo e o Novo Testamento: assim como no Antigo houve doze Patriarcas, no Novo são doze” Apóstolos.1
Em seguida, muito ao gosto dos medievais, o Doutor Angélico discorre sobre a simbologia dos números e apresenta outro motivo: “Era também para indicar a perfeição, porque o número doze resulta de duas vezes seis. Com efeito, seis é um número perfeito, já que se compõe de todas as suas partes: ele vem de um, de dois ou de três, e essas partes, somadas umas às outras, dão seis. Assim, o Senhor escolheu doze para indicar a perfeição. ‘Sede perfeitos como vosso Pai é perfeito’” (Mt 5, 48). 2
“...e começou a enviá-los, dois a dois”;
O fato de enviar os Apóstolos dois a dois obedece a um princípio de prudência. Dada a natureza sociável do homem, a companhia de um irmão serve-lhe de valioso apoio psicológico, tanto nas dificuldades concretas da vida como nas provações espirituais, tornando mais suportável o peso a carregar.
Assim, com solicitude divina, Nosso Senhor já lhes ensinava uma norma de conduta que favorecia a prática da virtude da perseverança e seria seguida por tantos religiosos, ao longo dos séculos. Essa norma favorece também as virtudes da vigilância e da humildade, pois quem aceita a companhia de um irmão e sujeita-se a ser vigiado por ele, reconhece implicitamente a própria debilidade. A esse, terá o demônio mais dificuldades para vencê-lo com suas insídias; e o mundo, menos poder para o envolver com suas seduções.
Quantas pessoas, lançando-se empenhadamente nas lides do apostolado, prevaricaram ao longo do caminho, por confiarem nas suas próprias forças e se aventurarem sozinhas! Acabaram por ser, tristemente, seduzidas pelas ilusões do mundo... A companhia de um irmão é sempre um anteparo para um sem número de tentações e de seduções, as quais, hoje mais do que nunca, podem se apresentar até nos recintos mais sagrados, como também na tranquilidade da própria morada, durante uma “navegação” imprudente pelos vastos e perigosos espaços virtuais da internet...
Há dois mil anos, não havia os riscos morais de nossa época. Mesmo assim, Nosso Senhor enviou seus Apóstolos dois a dois, para se entreajudarem e sustentarem mutuamente na Fé, quando surgissem dificuldades: “Eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos” (Mt 10, 16).
Também o padre Manuel de Tuya assinala que o fato de partirem os Apóstolos em duplas lhes possibilitava “ajudarem-se e vigiarem-se” uns aos outros, e acrescenta que, além disso, conferia autenticidade às suas palavras, pois, afirma, “ninguém podia suspeitar daquele que tinha uma testemunha”.3
O abade Duquesne aduz outras razões, não menos importantes: “Com isso, queria certamente Jesus indicar também a união que deve reinar entre Seus ministros e Seus verdadeiros discípulos”. 4 E conclui o comentário com um sábio conselho: “É máxima de prudência procurar, sempre que possível, esse auxílio que Jesus Cristo estabeleceu, santificou e ofereceu a Seus Apóstolos”.5
Também a Sabedoria nos fala no mesmo sentido: “Dois homens juntos são mais felizes que um isolado, porque obterão um bom salário de seu trabalho. Se um vem a cair, o outro o levanta. Mas ai do homem solitário: se ele cair, não haverá ninguém para levantá-lo” (Ecl 4, 9-10).
“...e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos”.
Era esta outra prova irrefutável da divindade de Nosso Senhor. Sendo o poder dos Anjos muito superior ao dos homens, ninguém pode vencer um espírito impuro a não ser com o auxílio de Deus. Cristo tem não só esse poder, mas também a capacidade de transmiti-lo aos Apóstolos, pois Ele é Deus. E a Igreja, até os dias de hoje, o confere aos seus ministros, designando exorcistas, com o encargo de — em caso de possessão diabólica comprovada, e seguindo normas bem estritas — expulsarem os espíritos impuros, com o poder que Cristo outorgou a Ela.
No tempo de Nosso Senhor, o império do mal estendia-se sobre toda a humanidade, imersa nas trevas do paganismo e da idolatria, manifestando-se frequentemente através de possessões, como nos relatam numerosas passagens dos Evangelhos.
Talvez em nossos dias não seja tão visível o domínio do mal sobre o mundo, como era na Antiguidade, mas sua ação, sem dúvida, é mais ampla e insidiosa, levando grande número de pessoas a acharem que não existe o demônio nem o pecado. Assim, as almas, por falta de defesa, ficam mais expostas à sua maléfica influência. E a assombrosa degradação dos costumes de nossa época, com a consequente multiplicação dos crimes, não será um sintoma dessa forma sub-reptícia de dominação dos espíritos impuros em toda a terra?
8 Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. 9 Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas.
A radicalidade dessas determinações de Nosso Senhor aos Apóstolos tem suscitado entre os exegetas e mestres espirituais, ao longo da história da Igreja, múltiplas interpretações.
Segundo alguns, entre os quais São Francisco de Assis, tais preceitos devem ser seguidos à risca, de acordo com o exemplo dos Apóstolos. Outros interpretam as palavras de Nosso Senhor num sentido figurado, fazendo as devidas adaptações às circunstâncias de cada época e lugar.
De qualquer modo, é inequívoca a intenção de Nosso Senhor de, com essas prescrições, tornar claro que os Apóstolos, ao se dedicarem à evangelização, não deviam preocupar-se com os recursos materiais, mas fazer uso apenas do que lhes era indispensável. Toda a sua confiança deveria estar posta na proteção de Deus, tanto para obter os meios de subsistência como, sobretudo, para alcançar os meios sobrenaturais, ou seja, a graça, indispensável à conversão das almas.
Algumas vezes o evangelizador, demasiadamente preocupado com os recursos materiais para desenvolver suas atividades em favor da salvação das almas, pode acabar por depositar sua confiança nos próprios esforços e qualidades naturais, esquecendo que só Deus, com a graça divina, é capaz de mover os corações. Todo o resto, inclusive o próprio apóstolo, não passam de meros instrumentos nas mãos do Altíssimo. Portanto, depois de ter feito todos os esforços para o bom resultado da evangelização, devemos estar convictos de que somos “servos inúteis” (Lc 17, 10).
O melhor modo de assegurar bons frutos de apostolado consiste em ter essa disposição de alma, de entrega absoluta nas mãos da Providência, confiando cegamente em Seu auxílio.
Deixemos de lado a interpretação dada pelos exegetas às discrepâncias entre os Evangelistas sobre o uso ou não de bastão, e outros detalhes de menor importância, e voltemos nossa atenção para a belíssima simbologia que alguns autores ressaltam nas prescrições do Divino Mestre.
São Tomás de Aquino recolhe na Catena Áurea algumas dessas interpretações simbólicas, repletas de sabedoria. Santo Agostinho assim explica a significação do uso das sandálias, em vez de calçado comum: “Quando, segundo São Marcos, o Salvador lhes recomenda calçar as sandálias, é preciso ver nessas sandálias um significado simbólico e misterioso: o calçado deve deixar o pé do pregador descoberto por cima e protegido por baixo; isto significa que o Evangelho não pode permanecer oculto nem apoiar-se sobre as vantagens terrenas”.6
Quanto à recomendação de não levar duas túnicas para a viagem, assim a interpreta o mesmo Doutor: “O que significa a proibição de ter e de levar duas túnicas, e a proibição mais expressa de vestir mais de uma túnica, senão que os Apóstolos devem andar na simplicidade, sem a menor duplicidade?”.7
Por sua vez, São Beda interpreta da seguinte forma o simbolismo do pão, da mochila e do dinheiro: “No sentido alegórico, a mochila representa os encargos e os embaraços mundanos; o pão, as delícias da terra; e o dinheiro no cinto, a sabedoria que permanece escondida. Com efeito, quem se revestiu das funções de evangelizador não pode dobrar-se sob o peso das ocupações terrenas, nem deixar-se amolecer pelos desejos carnais, nem esconder, sob a negligência de um corpo entregue à ociosidade, o talento da palavra que lhe foi confiado”.8
10 E Jesus disse ainda: 'Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida.
Ao tratar sobre este mesmo episódio, o Evangelista São Mateus é mais detalhado, especificando que deve ser escolhida a casa de uma pessoa digna: “Nas cidades ou aldeias onde entrardes, informai-vos se há alguém ali digno de vos receber; ficai ali até a vossa partida” (Mt 10, 11).
É quase intuitiva a razão pela qual Nosso Senhor lhes faz essa recomendação. “Sem uma prudente escolha — comenta Fillion —, poderiam pôr em risco sua reputação pessoal e prejudicar a causa do Reino dos Céus. Não devem ir para a casa do mais rico ou do mais influente, mas sim para a que seja mais digna. Recebidos numa casa, ali permanecerão até à partida. Mudar-se para outra seria sinal de superficialidade ou de pouca mortificação, que desdouram a dignidade apostólica”.9
11 Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!
 Uma vez mais, à semelhança do exemplo por Ele ‘’dado em Nazaré, Nosso Senhor adverte que não se deve insistir com aqueles que não querem acreditar na Boa Nova.
O tempo é uma criatura de Deus, de cujo uso Lhe deveremos prestar contas. Desperdiçá-lo, insistindo em evangelizar quem não quer salvar-se, implica em deixar de pregar àqueles que aproveitariam melhor a mensagem da Salvação. Não terão estes razões para recriminar, no dia do Juízo, quem os privou de tão precioso bem?
A linguagem dos símbolos fala muito mais aos homens do Oriente do que a nós, ocidentais, que herdamos uma mentalidade dada ao utilitarismo. Rasgar as vestes em sinal de indignação, cobrir a cabeça de cinzas para significar a penitência ou grande tristeza eram atitudes, entre outras, que os orientais sentiam necessidade de tomar para expressar seus sentimentos mais vivos. Assim também, ao ser alvo de grande rejeição, o gesto de bater as sandálias para sacudir o pó expressa o rompimento total, a vontade de não levar consigo nem sequer a poeira da terra cujos habitantes não quiseram aceitar a Boa Nova.
Pirot e Clamer descrevem a origem de tal costume: “Procediam assim os judeus quando saíam do solo pagão e entravam na Terra Santa. Para deixar claro que não queriam guardar nenhum contato impuro, eles sacudiam até o pó de suas sandálias, gesto simbólico que assinalava quão completa era a ruptura entre o judeu e o pagão. Da parte dos Apóstolos, esse gesto destinava-se a mostrar aos judeus rebeldes à voz da graça, que eles se tornaram indignos da mensagem que lhes foi oferecida, a ponto de, doravante, serem considerados e tratados como pagãos. Assim agiram em Antioquia da Pisídia, quando uma revolta provocada pelos judeus os forçou a deixar essa cidade e ir para Icônio (cf. At 13, 51)”.10
III –Efeitos da pregação
12 “Eles partiram e pregaram a penitência”.
A penitência tem aqui o sentido de conversão do coração; ou seja, penitência interior, mais do que atos externos de mortificação — por exemplo, jejuar, vestir-se de saco ou cobrir-se de cinza —, como os que faziam tantas vezes os fariseus, para serem vistos e louvados pelos homens.
“A penitência interior é uma reorientação radical de toda a vida, um retorno, uma conversão a Deus de todo o nosso coração, uma ruptura com o pecado, uma aversão ao mal, com repugnância pelas más ações que cometemos. Ao mesmo tempo, é o desejo e a resolução de mudar de vida, com a esperança da Misericórdia divina e a confiança na ajuda da Sua graça” — conforme ensina a Igreja.11
13 Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo.
Além do poder de expulsar os demônios, Nosso Senhor deu aos Apóstolos o dom de fazer milagres. Nessa primeira missão, eles operavam as curas ungindo os doentes com óleo, enquanto o Divino Mestre o fazia simplesmente com a força de Sua palavra. O Concílio de Trento viu “insinuado” nessa unção o sacramento da Unção dos Enfermos. Alguns teólogos veem nela as “origens reais” desse Sacramento, ao passo que outros a consideram apenas um “tipo ou figura”.12
É esta uma boa ocasião para recordar alguns dos efeitos deste Sacramento que a Igreja reserva para quem se encontra em perigo de morte, causado por doença ou por envelhecimento. Não é necessário, portanto, para receber a Unção dos Enfermos, que a morte seja iminente; basta que a doença seja grave e possa vir a causar o falecimento, mesmo havendo esperança de cura.
“O principal dom deste sacramento — ensina o Catecismo da Igreja Católica — é uma graça de reconforto, de paz e de coragem para vencer as dificuldades próprias do estado de enfermidade grave ou da fragilidade da velhice. Esta graça é um dom do Espírito Santo, que renova a confiança e a Fé em Deus e fortalece contra as tentações do maligno, tentação de desânimo e de angústia da morte. Esta assistência do Senhor pela força do Seu Espírito quer levar o enfermo à cura da alma, mas também à do corpo, se for esta a vontade de Deus. Além disso, ‘se ele cometeu pecados, eles lhe serão perdoados’ (Tg 5, 15)”.13
Por este motivo, não é raro que enfermos graves se vejam curados após receber a Unção dos Enfermos, ou tenham a vida prolongada para além das expectativas normais da medicina. Não percamos, pois, oportunidade de proporcionar esta graça inestimável aos que reúnem as condições requeridas para receber validamente este Sacramento.
Entre seus efeitos admiráveis — defendem grandes doutores e teólogos como São Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Alberto Magno, Santo Afonso de Ligório e outros — está o de preparar a alma para entrar diretamente na glória, dependendo das disposições interiores com as quais ela o recebe. Não seriam esses efeitos razão suficiente para pedirmos a Unção dos Enfermos com verdadeira sofreguidão, sempre que uma doença grave nos visitar?
IV –Deus dá, para cada época, os remédios mais adequados
O mundo moderno não necessita menos de ser evangelizado do que o antigo. Mas, por vezes, talvez nos sintamos em desvantagem em relação à época passada, vendo o progresso avassalador do mal e a falta de operários para anunciarem a Boa Nova.
Onde estão os novos apóstolos capazes de fazer milagres, como os de outrora, de expulsar os espíritos impuros e de pregar a penitência como eles? Deus sempre dá para os males de cada época os remédios mais adequados. Quando Jesus convocou os Doze, era mais conveniente, para o bem das almas, que eles realizassem prodígios portentosos a fim de provar a veracidade da doutrina admirável que anunciavam.
E hoje? Que milagres precisa operar quem se dedica ao apostolado, para mover as almas à conversão? Em nossa época tão secularizada, talvez os milagres não produzam o efeito que tiveram nos tempos apostólicos. Por isso, o “milagre” que os autênticos evangelizadores devem fazer é o de anunciar a Jesus Cristo mediante o testemunho de uma vida santa; portanto, praticando a virtude, aspirando à santidade e desprezando as solicitações e os ilusórios encantos do mundo. Este, sim, é o milagre capaz de assombrar o nosso mundo secularizado, pois a prática estável dos Dez Mandamentos não é possível só com as forças naturais da vontade humana, como nos ensina o Magistério Eclesiástico. É preciso que a graça santificante divinize o homem e o faça agir e viver à busca da perfeição.
É esse o portentoso milagre que poderá abalar a incredulidade ou o indiferentismo de nossos coetâneos, como tantas vezes nos recordaram os últimos Papas, e já ensinava o Concílio Vaticano II, referindo-se ao apostolado laical: “Os leigos tornam-se valorosos arautos da Fé naquelas realidades que esperamos (cf. Hb. 11,1) se juntarem sem hesitação, a uma vida de Fé, a profissão da mesma Fé. Este modo de evangelizar, proclamando a mensagem de Cristo com o testemunho da vida e com a palavra, adquire um certo caráter específico e uma particular eficácia por se realizar nas condições ordinárias da vida no mundo”.14
Sigamos as sapienciais recomendações do Concílio Vaticano II, sendo autênticos arautos da Boa Nova, como o foram os evangelizadores dos primeiros tempos da Igreja, sobretudo, com a “pregação” de uma vida irrepreensível e santa, segundo os preceitos admiráveis do Evangelho. Só assim uma Nova Evangelização conseguirá vencer a onda de secularismo que invade a sociedade hodierna.
1 AQUINO, São Tomás de. Super Evangelium S. Matthæi. caput 10, lectio 1.
2 Idem, ibidem.
3 TUYA, OP, Pe. Manuel de. Biblia comentada – II Evangelios. Madrid: BAC, 1964, p. 671-672.
4 DUQUESNE, L’abbé. L’Évangile médité – Tome deuxième. Paris: Librairie Victor Lecoffre, 1904, p. 223.
5 Idem, ibidem.
6 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
7 Idem, ibidem.
8 Idem, ibidem.
9 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo – II Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, p. 218.
10 PIROT, Louis; CLAMET, Albert. La Sainte Bible – t. IX. Paris: Letouzey et Ané, 1950. p. 465.
11 Catecismo da Igreja Católica, n. 1431.
12 Cf. PIROT, Op cit., p. 466.
13 Catecismo da Igreja Católica, n. 1520.
14 Lumen Gentium, n. 35.




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