Comentários ao
Evangelho XVI Domingo do Tempo Comum – Ano C – Lc 10, 38-42
"Naquele
tempo, 38 Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-O em
sua casa. 39 Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a
Sua palavra. 40 Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela
aproximou-se e disse: ‘Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha,
com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!'. 41 O Senhor, porém,
lhe respondeu: ‘Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas
coisas. 42 Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e
esta não lhe será tirada'" (Lc 10, 38-42).
O amor imperfeito de Maria e a
preocupação naturalista de Marta
Há neste
Evangelho uma lição para as almas "Marta", e também para as almas
"Maria". Às primeiras, ensina Jesus que uma só coisa é necessária: o
amor; e às segundas, que não podem desprezar a parte menos elevada.
I - Deus nos criou para a eternidade
Em razão de nossa natureza humana,
somos mais tendentes a prestar atenção nas coisas materiais, acessíveis aos
sentidos, do que nas espirituais.
Ora, Deus nos criou para a eternidade
e, para alcançarmos a bem-aventurança eterna, não importam tanto os nossos atos
externos quanto nossos méritos, virtudes e correspondência aos dons d'Ele
recebidos. Trata-se, portanto, de vencer esse pendor instintivo para o que é
inferior e procurar sempre aquilo que é transcendente.
Importa isso em desprezar tudo quanto
é palpável e entregar-nos exclusivamente ao estudo e à oração? Devemos deixar
de lado toda e qualquer atividade concreta, inclusive as mais nobres e
necessárias, a fim de jamais perdermos o contato com o sobrenatural?
O Evangelho de hoje tem por cerne
essa problemática. Nele, São Lucas apresenta em poucas linhas, com inspirada
pena, as figuras de Marta e de Maria, símbolos da vida ativa e da
contemplativa.
II - Marta e Maria
"Naquele
tempo, 38 Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-O em
sua casa".
Os irmãos Lázaro, Marta e Maria
pertenciam a uma das melhores famílias da Palestina e possuíam inúmeros bens,
entre eles a confortável herdade de Betânia, distante uns três quilômetros de
Jerusalém.1
O episódio narrado no Evangelho de
hoje corresponde a uma das estadias de Jesus nessa aldeia. Dirigia-se de Jericó
a Jerusalém e aproveitou o ensejo para fazer uma visita àquela família unida a
Ele por estreita amizade. A moradia de Marta em Betânia era um lugar aprazível
e recolhido, próprio ao repouso de Nosso Senhor, como salienta o exegeta
jesuíta Truyols:
"No ambiente de paz e de santo
deleite que se respirava na casa de Marta, Maria e seu irmão Lázaro, na
intimidade de uma inocente confiança, encontrava Jesus algum descanso das
contínuas hostilidades, embustes e malevolências de seus inimigos".2
Bem podemos imaginar a felicidade dessa
família ao receber o Divino Hóspede, dispensando-Lhe os melhores cuidados.
A Maria só interessava o Divino Mestre
39 "Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e
escutava a Sua palavra".
Chegando a Betânia, após os calorosos
cumprimentos e as habituais abluções, Jesus deve ter-Se recostado, como era
costume, em uma espécie de divã. Ou talvez, como imagina o mesmo Truyols,
tivesse tomado assento embaixo da parreira, no jardim da casa, enquanto se
preparava a refeição.
Maria logo se pôs a seus pés,
haurindo com amorosa admiração os divinos ensinamentos. Ali estava o Homem a
cuja palavra as tempestades obedeciam; que ameaçava os ventos, e eles
amainavam; olhava para os mares encapelados, e eles se aquietavam; dava ordem à
lepra, e ela desaparecia; tocava nos ouvidos de um surdo e este ficava
curado...
Enlevada com o Divino Mestre, Maria
por nada mais se interessava. Deixando de lado qualquer outra preocupação -
inclusive aquelas referentes ao atendimento do Senhor - permanece ela junto a
Jesus, de olhos fixos n'Ele.
Cabe notar, como bem observa
Maldonado, que Cristo, "mal entrara na casa, começou Sua tarefa de ensinar
as coisas divinas, desejoso de alimentar com esse manjar espiritual aquelas que
iam proporcionar-Lhe o alimento corporal". 3 Dessa atitude extrai São
Cirilo uma bela lição: com Seu exemplo, Jesus "ensina a seus discípulos
como devem proceder nas casas onde são recebidos, para que não fiquem ali
ociosos, mas sim dando santos e divinos ensinamentos àqueles que os
acolhem".4
Marta afana-se para dar ao Mestre uma
recepção à altura
40a "Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres".
Correspondia a Marta, como irmã mais
velha, fazer as honras da casa. De muito boa educação, queria proporcionar
ótima acolhida ao Divino Mestre. Por isso, não deixava aos empregados a função
de atendê-Lo. Além do mais, segundo as boas normas vigentes na época, uma
visita de categoria deveria ser servida pelos próprios anfitriões.
Marta, afirma Santo Agostinho,
"demonstra uma generosa hospitalidade ao receber Jesus em sua casa; esta é
uma grande obra, pois está preparando a refeição para o Santo dos Santos e para
os seus santos".5
Ora, Nosso Senhor viajava acompanhado
dos Apóstolos e discípulos, e talvez tivesse chegado de improviso. Para dar-Lhe
uma recepção à altura, não havia tempo a perder, motivo pelo qual Marta
"estava ocupada com muitos afazeres" e sentia a falta de outros
braços com os quais dividir o encargo. Maria, entretanto, tomada de alegria
pela presença do Divino Mestre,havia
esquecido por completo suas obrigações de anfitriã, deixando todo o serviço a
cargo da irmã.
A recepção deve começar na própria alma
40b "Ela aproximou-se e disse: ‘Senhor, não Te importas que minha
irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha
ajudar!'".
Não seria segundo a boa educação
Marta chamar a atenção da irmã diante de uma visita, sobretudo em se tratando
de Nosso Senhor. Por isso, dirige-se a Ele com nobre delicadeza feminina, por
meio de uma pergunta, para suplicar-Lhe Sua intervenção. O pedido, de todo
razoável naquelas circunstâncias, é formulado de forma muito elegante e gentil,
pois reconhece a autoridade do Divino Mestre e deixa a última palavra em Suas
divinas mãos.
Entretanto, provavelmente de modo não
consciente, estava Marta atribuindo aos cuidados práticos um valor superior ao
próprio Divino Hóspede. Pois suas queixas em relação a Maria atingiam
indiretamente o próprio Jesus "que, ao conversar com ela, parecia aprovar
o seu proceder", como bem sublinha o conceituado Fillion.6 Quiçá sem
perceber, Marta faltava com o Primeiro Mandamento da Lei de Deus. E Nosso
Senhor vai adverti-la com muita suavidade.
A mais velha das duas irmãs, observa
Santo Agostinho, "servia bem o Senhor, relativamente à necessidade do
corpo [...]; entretanto, quem ali estava em carne mortal, desde o princípio era
o Verbo".7
Ora, quando acolhemos alguém superior
a nós, a maior preocupação não deve ser a das providências práticas, mas sim a
de bem aproveitar a sua presença. Sendo aquele hóspede a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade, a boa recepção precisa começar na própria alma,
reconhecendo quem Ele é. O desejo de oferecer-Lhe uma boa refeição virá depois,
como corolário.
Nessa ocasião, sublinha Santo
Agostinho, "Maria estava pendente da doçura da palavra do Senhor. Marta
pensava em como alimentá-Lo, Maria em como ser por Ele alimentada. Marta
preparava para o Senhor um banquete, Maria já desfrutava do banquete do mesmo
Senhor".8 E São Bernardo comenta, com muita propriedade: "Uma e outra
receberam o Verbo: Maria no espírito, Marta na carne".9
Amorosa repreensão de Jesus
41a "O Senhor, porém, lhe respondeu: ‘Marta, Marta!'".
Nosso Senhor vira perfeitamente a
situação de Marta, mas nada dissera. Porém, quando ela tenta tirar Maria do Seu
lado, Ele a repreende dizendo: "Marta, Marta!".
Como terá pronunciado Jesus essas
palavras? Qual a inflexão de Sua voz? Deve ter sido solene, majestosa, mas
cheia de afeto! E por certo, ao mesmo tempo, tocara-lhe a alma com uma graça,
para ela compreender a fundo o significado da divina resposta.
É curioso notar que, depois da
Ressurreição, quando Nosso Senhor Se dirige a Maria Madalena, Ele não repete
seu nome. Diz apenas: "Maria". E ela imediatamente exclama:
"Raboni!" (Jo 20, 16). Bastou-lhe ouvir uma só vez o seu nome para
entrar em inteira consonância com o Mestre. Em Betânia, entretanto, Ele sentiu
necessidade de repetir: "Marta, Marta!".
Na Sagrada Escritura nada há de
supérfluo, e até pequenos detalhes como este revelam um universo de doutrina.
Por que dizer a uma "Marta,
Marta", e à outra somente "Maria"? Os episódios protagonizados
pelas duas irmãs refletem estados de espírito quase contrapostos. No primeiro,
Nosso Senhor precisa repetir o nome de Marta como "sinal de afeto e
advertência a respeito de um ponto grave",10 porque as pessoas engolfadas
em questões práticas têm geralmente tendência a não ouvir. Estando, por assim
dizer, imersas numa espécie de sono interior, não é suficiente chamá-las uma só
vez. E Jesus deve ter repetido o nome de Marta com inflexões de voz diferentes,
como uma música, deixando-a tocada no mais profundo da alma.
Estava servindo só a Jesus, ou também a
si própria?
41b "Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas".
Empenhada em servir Nosso Senhor da
melhor maneira possível, talvez Marta tencionasse fazê-lo também para manter o
grande prestígio da casa. Por isso se perturbava, tomada por preocupações que
não condiziam inteiramente com o amor a Deus: estava em questão o nome da
família. E quando Deus não está no centro das nossas considerações, a agitação
se estabelece com facilidade.
Não nos esqueçamos de que o valor
sobrenatural de toda ação depende da intenção com que ela é praticada. E qual
era, nesse caso, o objetivo de Marta? Na medida em que procurava não prejudicar
a própria fama, não estava servindo a Nosso Senhor, mas a si própria.
Preocupava-se, então, com os bens terrenos, não com os da eternidade. Servia,
assim, mais com as mãos do que com o coração.
Essa psicologia pragmática e
naturalista de Marta é muito mais comum do que se poderia imaginar. Queria ela
agradar a Nosso Senhor, mas com a atenção dividida, voltada em parte para o que
é do mundo. Talvez até desejasse chamar a atenção sobre si mesma, esperando
receber um elogio por sua presteza.
42 "Porém,
uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será
tirada".
"Maria escolheu a melhor
parte", afirma Jesus admoestando Marta. Por suma delicadeza, não formulou
a consequência, a qual, no entanto, era inquestionável: coube a ela, portanto,
a parte menos elevada...
III - Almas "Marta" e almas
"Maria"
Detenhamo-nos na importante questão
que aqui se apresenta e tantas vezes é mal interpretada.
Pode-se inferir da resposta do Divino
Mestre que Ele condenava o cuidado das coisas concretas, as quais não passarão
para a eternidade e, portanto, não merecem nossa atenção? Deveriam todos,
então, dedicar-se exclusivamente à contemplação das verdades eternas?
Não é essa a lição que devemos tirar
desta passagem do Evangelho, pois, como observa Santa Teresa de Jesus de modo
pitoresco e cheio de bom senso, se Marta "permanecesse, como Madalena,
embevecida aos pés do Senhor, ninguém daria de comer a este Divino
Hóspede".11
Cristo não afirma aqui que Marta
deveria abandonar aquelas indispensáveis ocupações, o que é posto em evidência
por Santo Agostinho, com sua característica vivacidade:
"Devemos pensar que Jesus
vituperou a atividade de Marta, ocupada no exercício da hospitalidade, ao
recebê-Lo em sua casa? Como podia ser com justiça censurada quem se deleitava
em acolher tão notável Hóspede? Se assim for, cessem os homens de socorrer os
necessitados e escolham para si a melhor parte, a qual não lhes será tirada;
dediquem-se à meditação da palavra divina, almejem ardentemente a doçura da
doutrina, consagrem-se à ciência da salvação; não se preocupem em saber se há
na aldeia algum peregrino ou algum pobre sem alimento ou roupa;
desinteressem-se de visitar os enfermos, de resgatar o cativo, de enterrar os
mortos; abandonem as obras de misericórdia e apliquem-se à única ciência. Se
esta é a melhor parte, por que não nos dedicarmos todos a ela, já que, nessa
matéria, temos o próprio Senhor como nosso defensor?".12
A resposta dada por Jesus fora muito
sutil e, como bem observa o Cardeal Gomá, "encerra todo um programa de
vida que é a concretização do sumo equilíbrio do Cristianismo na ordem da
ação".13 Nas pessoas de Marta e Maria, deixou o Divino Mestre uma lição
para toda a humanidade.
Contemplação operativa e ação
contemplativa
Contemplação e ação não são
realidades excludentes. Ensina São Tomás que a primeira é, sem dúvida, mais
excelente e meritória que a segunda.14 Entretanto, acrescenta ele, a ação que
procede da plenitude da contemplação é preferível à simples contemplação.15 A
este ensinamento do Doutor Angélico, faz eco Fillion: "Embora a parte de
Maria tenha algo de mais celestial, o melhor, nas situações ordinárias, é unir
a condição de Marta com a de Maria".16
A perfeição está, pois, na junção
entre contemplação e ação. Disso dá-nos supremo exemplo a Sagrada Família.
Nossa Senhora cuidava com inigualável esmero da casa em Nazaré, e São José era
com certeza o mais consciencioso dos carpinteiros. Ambos trabalhavam, cada um
nos seus afazeres. Entretanto, tinham constantemente a atenção voltada para
Jesus e para os aspectos mais elevados da realidade, a ponto de São Luís Maria
Grignion de Montfort afirmar que Nossa Senhora, ao dar um ponto com a agulha,
glorificava mais a Deus do que São Lourenço sofrendo na grelha as terríveis
dores do seu martírio.17
Então, podemos também nós dar muita
glória a Deus nos atos concretos do dia a dia, desde que os realizemos com a
atenção posta nas coisas celestes, e não apenas nas terrenas. Assim fez Cristo
Jesus durante Sua vida pública: ocupadíssima, intensíssima, entretanto, sempre
impregnada de oração e contemplação.
A preocupação naturalista de Marta
Como deveria, então, ter agido Marta
neste episódio?
Ela era, como vimos, a responsável
pela casa e cabia-lhe tomar as providências para o bom atendimento de Nosso
Senhor. Assim, começou bem ao querer servi-Lo e agradá- Lo. Porém, sem ela se
dar conta - como sói acontecer - essa louvável aspiração foi sendo substituída
por uma preocupação naturalista, acompanhada pelo desejo de fazer bela figura
diante d'Ele e dos demais.
Se executasse todas aquelas tarefas
pondo em Jesus a atenção principal, ficaria ela também com a melhor parte, os
frutos de seu trabalho teriam outra beleza e outra substância. Não lhe era
preciso, portanto, deixar suas ocupações para ir sentar-se, como Maria, aos pés
de Jesus, mas, segundo sublinha acertadamente Fillion, ter em vista que "o
único necessário é preferir as coisas interiores às exteriores, dar-se a Cristo
sem restrições, adorando-O, amando-O e vivendo só para Ele".18
O amor imperfeito de Maria
O Divino Mestre diz que Maria
escolheu a melhor parte, mas não afirma ter ela agido impelida por um amor
perfeito.
Nosso Senhor é cioso da obediência
devida às autoridades intermediárias e, portanto, deveria Maria ter se
submetido às determinações de sua irmã mais velha, cumprindo as obrigações que
lhe cabiam sem perder o enlevo, mantendo o coração todo posto no Senhor.
"Não imagines - adverte o Doutor Seráfico - que teu amor à quietude te
autorize a subtrair-te, mesmo em coisas mínimas, aos exercícios da santa
obediência ou das regras estabelecidas pelos anciãos".19
Portanto, pode-se afirmar que Maria
não atuou de forma exímia, na medida em que menosprezou a parte menos perfeita,
esquivando-se de assumir incumbências necessárias para o bom atendimento a
Jesus.
A lição foi para as duas
Há neste Evangelho uma lição não só
para as almas "Marta", mas também para as almas "Maria". Às
primeiras, ensina Jesus que uma só coisa é necessária: o amor a Deus, pois
apenas a caridade ultrapassa o umbral da eternidade, e todo o resto é
secundário. Não devemos nos ocupar com os afazeres do dia a dia sem ter o
coração voltado para o que há de mais elevado, tendo presente que em tudo
dependemos da graça divina. E às segundas, mostra que não podem desprezar a
parte menos perfeita, ignorando as providências necessárias para a boa
ordenação da vida. Pois, como bem sublinha Teofilato ao comentar esta passagem
do Evangelho, "o Senhor não vitupera a hospitalidade, mas sim o cuidado
por muitas coisas, ou seja, a absorção e o alvoroço".20
Na ação ou na contemplação, trata-se
de manter a alma serena, pervadida de devoção e inteiramente voltada para o
sobrenatural.
IV - Ser perfeito na ação e na
contemplação
Marta, por ser virtuosa, sem dúvida
acolheu bem as palavras de Nosso Senhor e percebeu que, de fato, tinha andado
por vias equivocadas.
Como procedeu ela após a repreensão
divina? Certamente continuou a servi-Lo, mas sem febricitação. Cheia de paz,
alegria e consolação, deve ter agradecido a lição recebida, aceitando-a até o
fundo da alma pela ação da graça. "Repreende o justo e ele te amará"
(Pr 9, 8). Assim, passou ela a amar mais Nosso Senhor, depois dessa afetuosa correção.
Devemos imitar as duas irmãs: fazer
todos os atos cotidianos com o amor de Maria, mas, como Marta, cumprir nossas
obrigações de modo exímio. Porque a vida dos homens tem momentos de ação e de
contemplação e, tanto em uns quanto nos outros, é preciso ser "perfeito
como o Pai celeste é perfeito" (Mt 5, 48).
Da contemplação provém a ação
Nesta terra, nossa vida deve estar
marcada pela preocupação primordial de cuidar das coisas eternas. Como bem
explica o padre Romano Guardini, a existência humana se desenvolve em dois
planos paralelos: o interior e o exterior. O mais importante, porém, é o
interior, pois, em última análise, dele provém o exterior.
"Assim é que - acrescenta -, já
na vida ordinária dos homens, o interior se sobrepuja ao exterior. Tem o caráter
de ‘um necessário', que tem primeiro de aparecer claramente. Se as raízes
adoecem, a árvore pode continuar a crescer por algum tempo, mas acaba por
morrer. Isso ainda é mais verdadeiro para a vida da fé. Também aí há um domínio
exterior; fala-se e ouve-se, trabalha-se e luta-se, há obras e instituições,
mas o sentido último de tudo reside no interior. O trabalho de Marta é
justificado por Maria".21
Atendendo ao convite que nos é feito
neste trecho do Evangelho, façamos os esforços necessários para elevar ao Céu
as nossas vistas deformadas pelo espírito naturalista, porque, no umbral da
eternidade, as coisas concretas nos serão tiradas. Nossa fé se transformará em
visão de Deus, face a face; nossa esperança, em posse definitiva do Sumo Bem; e
a caridade atingirá sua plenitude.
Muito mais felizes do que Marta e Maria
Hoje somos muito mais afortunados do
que Marta, pois recebemos Jesus, não em nossa morada, mas em nosso coração. Ele
Se dá a nós na Eucaristia e, ao invés de nos afanarmos em preparar-Lhe uma
refeição, Ele nos alimenta com Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Situação,
portanto, muito mais feliz e celestial que a da família de Betânia que tantas
vezes hospedou Nosso Senhor! Assim, agradeçamos a Marta por seu zelo em acolher
Jesus, louvemos Maria pelo exemplo do amor a Deus, mas, sobretudo, demos graças
a Jesus pelo que Ele faz, a cada instante, por cada um de nós.
Santa Marta era santa, embora não
conste que fosse contemplativa. Então, o que se pode desejar de melhor do que
chegar a ser como essa bem-aventurada, que mereceu hospedar Nosso Senhor várias
vezes na sua casa? E preparar-Lhe a refeição, e Lhe servir, e sentar-se à mesa
para comer com Ele? Se ela, como Madalena, tivesse permanecido embevecida aos
pés do Senhor, ninguém teria servido a comida a este Divino Hóspede.
Considerai, pois, que esta congregação é a casa de Santa Marta e que nela deve
haver de tudo. Assim, as que forem levadas para a vida ativa, não murmurem
contra as que muito se embevecerem na contemplação. [...]
Lembrem-se de que é
preciso haver alguém que Lhe prepare as refeições e considerem-se felizes por
estar servindo, como fez Marta. Ponderem que a verdadeira humildade consiste,
em boa medida, em estarmos prontas para o que o Senhor quiser fazer de nós, em
contentarmo- nos com sua divina vontade e acharmo-nos sempre indignas de sermos
chamadas suas servas. Pois, se contemplar e fazer oração mental e vocal, curar
enfermos, servir nos afazeres da casa, trabalhar -ainda que seja nas mais
humildes funções -, se tudo é servir ao Divino Hóspede, que vem até nós para
conviver, alimentar-Se e recrear-Se, que
nos importa se o fizermos de uma forma ou de outra?
Notas:
1 Cf.
FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: RIALP, s/d.,
v.II, p.334.
2 FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p. 417-418.
3 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios - II. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, p.554.
4 San Cirilo , apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea.
5 San Agustín . Sermo 255, 2, apud ODEN, Thomas C.e JUST Jr., Arthur A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia - Evangelio según San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, v.III, p.258.
6 Cf. FILLION, op. cit., p.335.
7 San Agust Ín. Sermo 104, 3, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea.
8 SAN AGUSTÍN. Comentarios de San Agustín a las lecturas litúrgicas (N.T.). Valladolid: Estudio Agustiniano, s/d, p.1073.
9 SAN BERNARDO. Obras completas. Madrid: BAC, 1953, v.I, p.712.
10 GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.III, p.134.
11 SANTA TERESA DE JESÚS. Camino de perfección, c.17, 5. In: Obras Completas. 3.ed. Burgos: El Monte Carmelo, 1939, p.396-397.
12 SAN AGUSTÍN. Sermo 104, 2. apud ODEN e JUST Jr., op. cit., p.1073-1074.
13 GOMÁ Y TOMÁS, op. Cit., p.134.
14 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q.182, a.1 e 2.
15 Cf. Idem, II-II, q.188, a.6, r.
16 FILLION, op. cit., p.336.
17 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem n.222. 9.ed. Petrópolis: Vozes, 1978, p.214-215.
18 FILLION, op. cit., p.335.
19 SAN BUENAVENTURA. Meditaciones de la vida de Cristo. Buenos Aires: Santa Catalina, p.184.
20 TEOFILATO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena aurea.
21 GUARDINI, Romano. O Senhor. s/l: Agir, s/d, p.196.
2 FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p. 417-418.
3 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios - II. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, p.554.
4 San Cirilo , apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea.
5 San Agustín . Sermo 255, 2, apud ODEN, Thomas C.e JUST Jr., Arthur A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia - Evangelio según San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, v.III, p.258.
6 Cf. FILLION, op. cit., p.335.
7 San Agust Ín. Sermo 104, 3, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea.
8 SAN AGUSTÍN. Comentarios de San Agustín a las lecturas litúrgicas (N.T.). Valladolid: Estudio Agustiniano, s/d, p.1073.
9 SAN BERNARDO. Obras completas. Madrid: BAC, 1953, v.I, p.712.
10 GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.III, p.134.
11 SANTA TERESA DE JESÚS. Camino de perfección, c.17, 5. In: Obras Completas. 3.ed. Burgos: El Monte Carmelo, 1939, p.396-397.
12 SAN AGUSTÍN. Sermo 104, 2. apud ODEN e JUST Jr., op. cit., p.1073-1074.
13 GOMÁ Y TOMÁS, op. Cit., p.134.
14 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q.182, a.1 e 2.
15 Cf. Idem, II-II, q.188, a.6, r.
16 FILLION, op. cit., p.336.
17 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem n.222. 9.ed. Petrópolis: Vozes, 1978, p.214-215.
18 FILLION, op. cit., p.335.
19 SAN BUENAVENTURA. Meditaciones de la vida de Cristo. Buenos Aires: Santa Catalina, p.184.
20 TEOFILATO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena aurea.
21 GUARDINI, Romano. O Senhor. s/l: Agir, s/d, p.196.
(Revista
Arautos do Evangelho, Julho/2010, n. 103, p. 10 à 15)
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