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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Comentário ao Evangelho 3º Domingo do Tempo Comum – Ano A – 2014 - Mt 4, 12-23

Continuação dos comentários ao Evangelho Mt 4, 12-23 – 3º Domingo do Tempo Comum – Ano A – 2014
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, E.P.
O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz
 14b Cumprindo-se o que tinha sido anunciado pelo profeta Isaías, quando disse: “Terra de Zabulão e terra de Neftali, terra que confina com o mar, país além do Jordão, Galiléia dos gentios! Este povo, que jazia nas trevas, viu uma grande luz, e uma luz levantou-se para os que jaziam na sombra da morte.”
A citação de Isaías feita por São Mateus nestes versículos é retirada do texto hebraico e por isso não são transcritas algumas palavras como constam em nossas traduções mais correntes:
“No tempo passado foi levemente combatida a terra de Zabulon, e a terra de Neftali, e no tempo futuro serão cobertas de glória a costa do mar, além-Jordão, a Galiléia das nações. Este povo, que andava nas trevas, viu uma grande luz; aos que habitavam na região da sombra da morte nasceu-lhes o dia” (Is 9, 1-2).
Trata-se de uma belíssima profecia que se cumpre ao estabelecer-Se o Senhor em Cafarnaum. De fato, segundo nos é descrito pelo segundo livro dos Reis (15, 29), Teglatfalasar, rei dos Assírios, invadiu várias regiões, entre as quais as terras de Zabulon e Neftali, ou seja, a porção citada nesses versículos de Mateus. Isto se deu por um castigo de Deus. Foi assim devastada a Galiléia e tomada pelos gentios, e daí seu nome: “Galiléia dos Gentios”, localizada na zona limítrofe da Síria e da Fenícia, coalhada de pagãos.
Essa era a principal razão de se terem constituído seus habitantes em objeto de desprezo da parte do resto da nação, pois grande era a infiltração de gentios arameus, itureus, fenícios e gregos, que inevitavelmente se mesclavam com os judeus de raça, conforme vem narrado no primeiro livro dos Macabeus (5, 15): “E toda a Galiléia estava cheia de estrangeiros, com o fim de nos perderem”. Tratava-se, como já dissemos, de uma região rica em comércio e por isso atraente para os vários povos.
Ora, torna-se compreensível o quanto se corromperam as doutrinas e os bons costumes religiosos do povo eleito naquelas paragens, devido à forte e diversificada influência pagã, bem como o motivo pelo qual ele “andava nas trevas” e na “sombra da morte”.
“Estavam os gentios sentados na região da sombra da morte — diz Crisóstomo — porque não tinham sequer uma partícula de luz divina que os iluminasse. Os judeus, que faziam as obras da lei, mas não conheciam a justiça do Evangelho, estavam nas trevas. Todas elas são dissipadas pela ‘grande luz’ do Messias. Não pode haver luz mais intensa e fixa, porque Jesus é a luz substancial: ‘Eu sou a luz do mundo’ (Jo 8, 12). Não desconfiemos jamais de sua eficácia para chegar ao fundo dos espíritos mais cobertos de trevas pela infidelidade, pela heresia, pela ignorância, pela indiferença; e façamo-nos sempre, por nossa pregação e nossas obras, filhos dessa luz e colaboradores de sua ação iluminativa” 6.
A pregação do Reino dos Céus
17 Desde então, começou Jesus a pregar: “Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus”.
São Marcos também nos deixou o mesmo relato nestes termos: “Completou-se o tempo, e aproximase o Reino de Deus; fazei penitência, e crede no Evangelho” (Mc 1, 15). Enquanto um evangelista costuma falar em “Reino dos Céus”, o outro se refere ao “Reino de Deus”. Discutem os autores sobre este particular, mas para nossos objetivos não nos convém discorrer sobre ele e, por isso, tomemos as duas expressões como sinônimas.
Já na famosa conversa noturna com Nicodemos, Jesus fizera menção ao Reino de Deus (cf. Jo 3, 3-5). Agora começa propriamente Sua pregação pública sobre o tema.
É sabido o quanto os judeus esperavam por um reino político-social todo feito de glória para o povo eleito. Essa seria, para eles, a realização do Reino de Deus sobre a Terra. É em Cafarnaum que Jesus começa a retificar esse equívoco nacionalista, o que Ele fará progressivamente por meio de pregações, parábolas e polêmicas, com uma insuperável força didática e de lógica.
Natureza espiritual e caráter universal do Reino
O método processivo para o estabelecimento do Reino anunciado pelo Divino Mestre se chocava com a concepção judaica de uma intervenção intempestiva do Todo-Poderoso, alçando aos píncaros a nação eleita. Figuras como as da semente, do grão de mostarda e do fermento (cf. Mt 13, 24-33) demonstravam o lento passo a passo da evolução do Reino anunciado e trazido por Ele.
Ademais, o verdadeiro Reino é, sobretudo, religioso, sem possuir um fim político segundo o acentuado anseio da opinião pública daqueles tempos. Esse Reino se estabelece em oposição ao de Satanás. “Se Eu, porém, lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de Deus, é chegado a vós o Reino de Deus” (Mt 12, 28). Não fará, portanto, uma oposição a César (cf. Mt 22, 21) e, por outro lado, não será nacional, mas universal: “Digo-vos, porém, que virão muitos do Oriente e do Ocidente e se sentarão com Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos Céus ...” (Mt 8, 11).
Sobre o versículo em questão, assim se exprime o grande exegeta Fillion: “Podia-se, pois, compreender o Salvador quando Ele fez ecoar através da Galiléia o ‘Evangelho do Reino’, já que esta boa nova fora anunciada há muito tempo, e que, recentemente, o Precursor a tinha proclamado com ardente zelo. Mas era preciso corrigir o que havia tomado uma má direção no espírito do povo, aperfeiçoar o que era bom, erguer às esferas superiores o que ainda não fora revelado em toda a sua extensão e, assim, retornar ao magnífico ideal dos profetas e até ultrapassá-lo. É por isso que — rejeitando com vigor as concepções mesquinhas e vulgares da maior parte dos seus compatriotas, desvinculando a noção de Reino de Deus das quimeras da escatologia judaica, protestando especialmente contra a pretensão dos fariseus e dos escribas de dar às esperanças messiânicas um aspecto puramente exterior e político, de maneira a fazer disso o monopólio de sua nação — Jesus insistiu incansavelmente na natureza espiritual e no caráter universal desse Reino” 7.
A penitência abre as portas do Reino dos Céus
O Reino está próximo e, para nele penetrar, é preciso fazer penitência, humilhar-se, purificar-se. É a via segura para se obter a paz com Deus e consigo mesmo. Essa foi a condição colocada por Jesus, e por isso, “não começou — diz o mesmo Crisóstomo — pregando as altas coisas da justiça da nova lei, mas as coisas íntimas da retificação da vontade pela penitência. Por aí se entra no Reino dos Céus: abandonando os maus hábitos, retificando intenções e inclinações erradas, concebendo desejos de viver bem e tendo pesar de haver feito o mal. É então que se pode já vislumbrar o gozo do cumprimento da perfeita justiça: ‘Fazei penitência…’ ‘Aproximouse o Reino dos Céus…’” 8.
Vocação dos primeiros discípulos
18 Caminhando ao longo do mar da Galiléia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. “Segui-Me, disse-lhes, e Eu vos farei pescadores de homens.” E eles, imediatamente, deixando as redes, O seguiram. Passando adiante, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam numa barca, juntamente com seu pai Zebedeu, consertando as suas redes. E chamou-os. Eles, deixando imediatamente a barca e o pai, seguiram-no.
Pela narração de São João, tudo leva a crer que esses quatro apóstolos já conheciam Jesus. Os outros três evangelistas não fazem menção a esse prévio relacionamento.
O precursor apontara a André e João a figura do Messias e, por isso, ambos O seguiram e, logo após, aproximaram Pedro e Tiago. Um dia depois, fora chamado pelo próprio Jesus o apóstolo Filipe, o qual, por sua vez, atraiu Bartolomeu (cf. Jo 1, 35-51). Portanto, de certo modo, eles já eram discípulos do Salvador quando se desenrolam os fatos descritos nos versículos acima.
Pedro e André lavavam as redes provavelmente depois de uma pesca infrutífera, caso Lucas se refira à mesma cena (cf. Lc 5, 1-11). A eles dirige o Mestre o convite em tom quase imperativo, o que faz prever conversas anteriores preparatórias a esse momento no qual se concretizava uma antiga promessa de fazê-los pescadores de homens.
A mesma determinação será usada com os outros dois irmãos, filhos de Zebedeu, pelo Divino Mestre.
A prontidão com a qual a dupla de irmãos abandona tudo, os dois últimos até ao próprio pai, indica bem o grau de intimidade existente entre eles e o Mestre, e o teor das conversas havidas até então. Jesus trabalhava com divina sabedoria e zeloso cuidado, cada um para o exercício dessa robusta fé e arrojada decisão.
Alheias a essa tomada de atitude não deviam estar as orações silenciosas de Maria Santíssima. Ausente também não estava o esforço e o fogo de alma do Batista. Ele foi quem os congregara e os entregara ao Messias. Esses fatores todos conjugados levaram os quatro primeiros discípulos a, com espírito inflamado, dar as costas a este mundo e lançar, não mais as redes, mas a si próprios, não nas águas, e sim no Reino dos Céus.

O mencionado Pe. Luís María Jiménez Font, faz um excelente comentário sobre essa passagem: “Parece que a vocação dos apóstolos se passou da seguinte maneira: Cristo recebeu espontaneamente os que a Ele se juntaram, procedentes do discipulado do Batista — André e Pedro, João e Tiago —, e no primeiro retorno à Galiléia, Filipe e Natanael, aos quais permitiu Jesus retomar suas atividades depois da cura do filho do régulo, acabada a primeira pregação na Judéia, pois o primeiro ministério do Senhor na Galiléia, parece que Ele o fez completamente só. Quando já era conhecido na região, decidiu formalizar o ponto da colaboração alheia, e chamou novamente aqueles que no início O tinham acompanhado por devoção, para que O seguissem de modo definitivo e profissional, no dia da pesca milagrosa” 9.
Continua no próximo post.

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